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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Mudança e esperança
MARIA DA CONCEIÇÃO TAVARES
Muda, tudo muda. A acumulação de riqueza muda
de natureza e de lugar de acordo
com os tempos históricos. As ondas
de justiça social alternam-se entre
períodos de grande desenvolvimento e de luta pela sobrevivência.
Os ricos ganham com maior freqüência e permanência, quer se
trate da "Riqueza das Nações" ou
das classes dominantes. "Los de
abajo" conseguem em situações especiais de grande tensão social e
política (superexploração interna e
externa, guerras, rupturas da ordem internacional, recessão mundial) a adesão de segmentos das
classes médias e de grupos de intelectuais à sua luta por mudanças.
Em certas conjunturas históricas,
a esperança se estende por massas
crescentes da população, alimentada por transformações econômicas
e políticas importantes. A expansão do capitalismo e das lutas político-sociais que o acompanham
nunca foram lineares, mas tampouco foram do "eterno retorno"
circular. A periodização que cada
autor escolhe está muito influenciada pelo tipo de transformação e
ruptura que pretende interpretar.
A própria visão de longa duração
ou de conjuntura é afetada pela localização espacial e ideológica à
qual o autor adere, apesar de suas
pretensões de "universalidade".
Dois livros recentes de grandes autores -"A Era dos Extremos - O
Breve Século 20", de Eric Hobsbawm, e "O Longo Século 20", de
Giovanni Arrighi- dão um exemplo do que estou me referindo.
Mudança e esperança foram palavras de ordem desde a modernidade ocidental, interrompidas por
períodos de conservadorismo e de
niilismo. Os períodos de regressão
(repressão) foram mais longos
quando a "ordem mundial" ficou
congelada por alguma forma de
"Pax Imperial" com pretensões civilizatórias globais. A "Pax Britannica" já havia levado a "ordem liberal burguesa" e a arrogância das
elites coloniais ao extremo. Durante mais de um século, sucederam-se movimentos espasmódicos de
rebelião dos colonizados e dos "deserdados da terra", quase sempre
derrotados.
Na primeira metade do século
20, duas guerras interimperialistas
e uma grande depressão foram
acompanhadas de várias revoluções vitoriosas que misturaram todas as tradições seculares de luta
(camponesas e populares urbanas). Depois da Segunda Guerra
Mundial, a mudança e a esperança pareciam asseguradas para a
maioria da "humanidade", embora alguns filósofos europeus de
grande prestígio, traumatizados
pelas catástrofes que haviam presenciado, continuassem pessimistas (sobretudo os austríacos, os alemães e os franceses).
A metafísica dos filósofos do pós-guerra, diferentemente dos seus
confrades do iluminismo, não deu
contribuição relevante à utopia da
"boa sociedade" ou do socialismo.
Os totalitarismos nazifascista e depois soviético foram denunciados,
e a "irracionalidade" da sociedade
de massas parece tê-los marcado
irremediavelmente. Nenhum deles
prestou maior atenção às transformações positivas do Estado de
Bem-Estar, da social democracia,
e, pasme, poucos se entusiasmaram com a descolonização da Ásia
e da África. A memória eurocêntrica predominava. Só muito tarde as
novas gerações de universitários e
ativistas de esquerda se deram
conta da Revolução Cubana, do
novo imperialismo americano com
a Guerra do Vietnã, das demais lutas em países periféricos e de que a
perda das suas próprias colônias
era justa.
O "marxismo ocidental" tinha
abandonado a crítica à economia
política a pretexto de combater o
"economicismo" e o determinismo
histórico. A discussão lançada por
Gramsci sobre as possibilidades de
luta pela hegemonia moral e intelectual, como forma de abrir caminhos para a conquista do poder em
sociedades mercantis avançadas,
difundiu-se tardiamente entre os
"discípulos italianos". Com o "fetichismo" da mercadoria e do dinheiro avançando a passos largos e
a classe operária européia indo ao
paraíso do consumismo americano, os filósofos de esquerda refugiaram-se na discussão psicanalítica e "marxiana" intramuros e delegaram na metahistória a chegada do "admirável mundo novo". A
partir dos anos 70, a política passou a ser considerada obsoleta. As
organizações em "redes" ou os
"movimentos sociais" de grande
visibilidade midiática entraram
na ordem do dia. O futuro tinha de
ser inventado a cada momento, e
os movimentos de longa duração
das lutas sociais prolongadas começaram a perder o significado.
A generalização do pensamento
e das políticas neoliberais impostas pela reafirmação da hegemonia norte-americana, a partir da
década de 80, além de agravar a
crise do pensamento de esquerda,
precipitou uma regressão social
em várias regiões da antiga periferia capitalista e atingiu os próprios
países centrais. As novas migrações de populações empobrecidas
se voltaram sobretudo para os
EUA e a UE. Esses movimentos de
incorporação precária ao mundo
desenvolvido facilitaram a desregulamentação do trabalho assalariado justamente onde a tradição
de organização era mais forte. A
centralização do capital financeiro e o rentismo fizeram o resto.
O movimento expansivo da industrialização deslocou-se para a
Ásia, traduzindo-se no aumento
da "Riqueza de Algumas Nações",
feito, porém, em condições de reprodução regulada pelo Estado.
De uma perspectiva de longa duração, o "desenvolvimentismo" do
Extremo Oriente representa uma
vingança histórica de séculos de
opressão colonial. Impossível prever como serão expandidos os direitos sociais de milhões e milhões
de camponeses na nova onda de
modernização da velha Ásia ressurgente. A discussão sobre "democracia x autoritarismo" (fora
de lugar em civilizações milenares
como a China e a Índia) raia o absurdo quando a expansão da "civilização ocidental" se dá sob o jugo da nova "Pax Americana", na
qual as pretensões universalistas
de "liberdade, igualdade e fraternidade" se tornaram novamente
inviáveis.
Maria da Conceição Tavares, 74, economista, é professora emérita da UFRJ,
professora associada da Unicamp e ex-deputada federal (PT-RJ).
Internet: www.abordo.com.br/mctavares
E-mail - mctavares@abordo.com.br
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