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LUÍS NASSIF
A lenda de Canhoteiro
A copa do Mundo de 1958,
na Suécia, foi a minha predileta. Não apenas por ter sido a
primeira a que assisti, nem por
ter sido a primeira que o Brasil
venceu. É que meu pai, diretor
de futebol da Associação Atlética Caldense -e autor do lema
"um clube, um orgulho, uma
tradição"-, conseguiu convencer seu amigo Carlos Joel Nelli,
jornalista influente da época, a
levar a concentração para Poços
de Caldas.
Meu maior orgulho na época
foi ter sido a única criança, com
minha irmã Regina, a receber os
jogadores no campo de aviação.
Como santo eu não era, enquanto aguardávamos o avião desmanchei o rabo-de-cavalo de
Regina, cuidadosamente preparado por minha mãe. Desajeitado, meu pai não conseguiu refazer a escultura capilar, resultando num laço mal ajambrado
que apareceu em todos os jornais do país, quando ela foi fotografada ao lado de Mauro, de
Bellini e de Gilmar.
Depois, quando os campeões
voltaram a Poços para agradecer pela hospitalidade, também
fui o único moleque a subir ao
palanque, com meu pai. Distribuí serpentinas para os meninos
que estavam embaixo e lembro
até hoje quando o palanque começou a ceder, meu pai me pegou no colo e ficou segurando
com a perna aquela legião de jogadores que o peso da gravidade
jogava em cima de nós. No desastre, morreu o menino Marcílio Dias, que tinha o nome do
marinheiro heróico da Guerra
do Paraguai.
Quando Garrincha quebrou a
cintura dos franceses e dos suecos na Copa, o país vibrou. Mas
os poços-caldenses suspiraram
de saudades do que não houve: a
não-ida de Canhoteiro para a
Copa. Quem viu jura que, se não
foi superior, no mínimo era
igual a Mané, nas fintas desconcertantes, na capacidade de encontrar sempre um espaço entre
a perna do zagueiro e a linha de
fundo.
Canhoteiro foi derrotado por
uma velha tradição poços-caldense, das cafetinas. Elas sempre
foram muito presentes na vida
da cidade. Nas primeiras décadas do século, tinham cabarés
na rua Pernambuco. Depois, subiram a rua Assis Figueiredo.
Na minha adolescência, a mais
famosa era Jovita, mas havia
Mariazinha e Nancy.
Não sei se a casa que seduziu
Canhoteiro foi a de Jovita ou a
de sua antecessora, que trocou a
vida difícil por um casamento
com Bilú, maior fazendeiro de
São João da Boa Vista. Só sei que
Canhoteiro pulou o muro da
concentração e perdeu a ponta-esquerda para Zagallo e Pepe.
Virou lenda, mas deixou de entrar para a história. Sua carreira
durou pouco mais. Foi quebrado
por Homero, zagueiro do Corinthians, e parou de jogar em 1963.
À medida que o tempo foi passando, a lenda foi crescendo.
Mais ainda quando morreu em
1974, com apenas 42 anos de
idade.
Não sei se é verdade. Mas em
Poços contavam que o São Paulo foi jogar com o Palmeiras de
São João da Boa Vista, de onde
tinham saído Mauro e Bellini.
Contam que Mauro foi vaiado
em um lance. Solidário, Canhoteiro teria dito ao amigo para ir
para a área adversária. Pegou a
bola no campo do São Paulo e
saiu driblando todo mundo, até
a bandeira da linha de fundo,
entrou na área e empurrou a bola para Mauro marcar. Contam
que repetiu o feito na seqüência.
Contam mais: que o treinador
do Palmeiras pediu pelo amor
de Deus para pararem de marcar gols, quando o São Paulo fez
o quinto.
Se é verdade, não sei. Fui à missa de sétimo dia de Mauro, ali na
capela do Colégio Rio Branco.
Depois da missa, os familiares de
Mauro me contaram que, cada
vez que ele me via na televisão, se
lembrava das traquinagens que
aprontei na farmácia do meu
pai. Na missa, conheci meu ídolo
Dino e pedi que meu amigo canista, o negão Almeida, atleta
premiado dos veteranos do São
Paulo, arrumasse um almoço ou
jantar com os veteranos do time,
para reconstituir a história e o
perfil de Canhoteiro. Mas o negão vive me dando o cano.
Há tempos queria escrever sobre ele e sua curta e fatal passagem por Poços. Soube que Renato Pompeu escreveu sua biografia, mas não tive chance de ler.
Morto, virou uma unanimidade.
E só agora, ao final desta coluna,
é que me dou conta de que no
próximo dia 16 de agosto se completarão 30 anos da sua morte.
E-mail: - Luisnassif@uol.com.br
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