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SAIA JUSTA
Lessa defende maior influência do banco em empresas; Furlan discorda
Intervenção no setor privado
acentua embate no BNDES
DO PAINEL S.A.
A disputa entre Luiz Fernando
Furlan e Carlos Lessa não é apenas de poder. A gravação da reunião no BNDES do dia 27 de novembro do ano passado mostra
com clareza o alto grau de divergência ideológica entre os dois.
Furlan questiona, por diversas
vezes, o fato de o BNDES estar cada vez mais interferindo na gestão
das empresas, enquanto Lessa defende maior presença do Estado
nas companhias privadas.
Na reunião, Furlan não se mostra convencido dos argumentos
de Lessa e diz que a decisão de
comprar ações da Valepar não fazia parte da política de investimentos do banco. "Para onde o
banco vai?", pergunta Furlan.
Nessa hora, Darc Costa, vice-presidente do banco, pede a palavra: "Ministro...", mas Furlan
continua seu discurso: "Por favor
[para Darc], nós vamos ficar aqui
lendo o jornal para saber o que está acontecendo no banco? Vamos
conversar. Nós somos parte da
mesma equipe. Quantas vezes eu
já falei isso? Vamos discutir a política de investimentos do banco."
Em sua defesa, Lessa diz que o
assunto foi levado ao primeiro escalão do governo: "Eu consultei as
altas instâncias da República na
ocasião. O senhor teve conhecimento [...]", diz ele para Furlan.
O ministro reconhece que soube da operação, por meio do ministro José Dirceu: "Eu tive conhecimento dessa consulta por
meio do ministro Dirceu, o que
me pareceu totalmente equivocado por ser [ele, Furlan] presidente
do conselho e por ser o ministro
do ministério encarregado do
banco. Então, realmente, tomei
conhecimento porque o ministro
Dirceu me chamou e me informou".
Interferências
Em outro trecho da fita, a disputa ideológica entre os dois se torna
mais nítida quando Furlan pergunta a Lessa se "era intenção do
BNDESpar influir também na
gestão estratégica da Vale do Rio
Doce e de outras companhias".
Lessa responde dizendo que "é,
sim, intenção do banco interferir
na gestão das companhias em todos os segmentos nos quais o Brasil possa exercer sua presença como economia nacional do mundo". Lessa afirma que essa seria
uma decisão do governo.
Nesse momento da reunião,
Lessa ameaça até pedir demissão,
em caso de não ter apoio governamental: "Eu acho que não é uma
coisa apenas deste presidente
aqui. Se for deste presidente aqui,
a carta do presidente está à disposição". Furlan responde imediatamente: "Não, não, não".
Estatização
Em outro ponto, ao discutir a
atuação do BNDES com as empresas privadas, Furlan pergunta
a Lessa: "Nós cogitamos da possibilidade de estatização da Vale?
Porque ela hoje, apesar de termos,
como a Embraer, a percepção de
que é patrimônio nacional, ambas
são companhias privadas".
Lessa defende, então, que a Vale
seja uma empresa nacional comandada por empresários "que
pensam o Brasil em estratégias de
desenvolvimento industrial". Lessa não esconde a preocupação
com o fato de a empresa ter como
principais acionistas os fundos de
investimento e o Bradesco.
Os fundos, de acordo com Lessa, "vão viver as agruras do desinvestimento para poder cumprir o
seu próprio papel". Já o Bradesco,
a seu ver, "é um grupo que tem
uma imensa importância no segmento financeiro brasileiro".
"Mas eu acho que não vai apostar
no futuro da industrialização."
Lessa diz que seu sonho é criar-se um grande conglomerado nacional formado pelas siderúrgicas
brasileiras para comandar a Vale:
"E aí, penso: Votorantim, CSN,
Usiminas, Cosipa e, quem sabe,
Gerdau, em bloco, segurando a
Vale, eu dormiria tranqüilo, porque eles nunca iriam deixar que
ela fosse dominada por uma lógica estrita de minério".
Histórico de atritos
O episódio da Vale é apenas um
capítulo na série de desentendimentos entre Furlan e Lessa. Há
cerca de um mês, Furlan queixou-se por carta a Lessa por ele não ter
submetido ao Conselho de Administração o Planejamento Estratégico 2004/2007 anunciado pelo
banco. Em carta-resposta, Lessa
disse que o BNDES é vinculado ao
Ministério do Desenvolvimento,
mas não subordinado a ele. O caso chegou ao presidente Lula, que,
por estar fora do país, preferiu
não se pronunciar.
Na semana passada, a queda-de-braço entre os dois teve um
novo lance, na criação da Câmara
de Desenvolvimento Econômico,
a ser presidida por José Dirceu.
Furlan não gostou do fato de ele
não ter sido nomeado para o posto. Em contrapartida, o BNDES,
que fazia parte da câmara, foi excluído por determinação do presidente Lula, após pressões de
dentro do governo.
(GUILHERME BARROS)
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