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POLÊMICA
Soja geneticamente modificada deve atingir 35% da produção nacional; Meio Ambiente vê "fato consumado" em plantio
Produtor prepara nova safra de transgênico
MARTA SALOMON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Com o apoio do Palácio do Planalto, produtores de soja preparam novo plantio de sementes geneticamente modificadas de origem clandestina e sem estudo de
impacto ambiental. Será a oitava
safra brasileira de soja transgênica e deverá atingir até 35% da produção nacional do grão, segundo
previsão da Abrasem (Associação
Brasileira de Sementes), aliada da
multinacional americana Monsanto no lobby pró-transgênicos.
O Brasil é o segundo maior produtor mundial.
Cultivada a partir de sementes
contrabandeadas da Argentina, a
soja transgênica é comercializada
desde o ano passado com o aval
do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva. O consumidor brasileiro, no
entanto, que deveria encontrar
rótulos nas embalagens dos produtos que contêm mais de 1% de
organismos geneticamente modificados, ainda não sabe se consome ou não subprodutos da soja
transgênica.
A indústria teve prazo prorrogado até o início de abril para
adaptar as embalagens. Mas a
Abia (Associação Brasileira das
Indústrias da Alimentação), outra
aliada dos transgênicos, informa
não ter notícia de nenhum produto comercializado com o rótulo.
Sugere que nenhum produto contenha organismos geneticamente
modificados acima do limite fixado por decreto pelo governo.
Não é o que indicam estudos da
Vigilância Sanitária do Estado de
São Paulo. Um comunicado divulgado em março listava 11 produtos cujos lotes analisados indicavam a presença de organismos
geneticamente modificados, independentemente da quantidade.
Um novo estudo será divulgado
no mês que vem. De uma amostra
de 24 produtos, mais da metade
mostrou traços de soja transgênica. "Encontramos até rótulos garantindo a não-existência de
transgênicos em produtos contaminados", adiantou William Latorre, diretor de alimentos do
Centro de Vigilância Sanitária
paulista.
A Anvisa (Agência Nacional de
Vigilância Sanitária), que deveria
fiscalizar o cumprimento do decreto federal da rotulagem, avalia
que o controle da soja transgênica
não é prioridade.
Fato consumado
"Temos uma situação surreal",
avalia João Capobianco, secretário de Biodiversidade e Florestas
do Ministério do Meio Ambiente,
que representa os interesses ambientalistas nos debates internos
no governo. "Admitir que o plantio ilegal durante tantos anos é um
experimento válido é discutível",
afirma o secretário.
Para o Meio Ambiente, a nova
safra de soja transgênica, a ser comercializada em 2005, é mais um
"fato consumado". O sinal verde
veio com a inclusão discreta de
um dispositivo no projeto de lei
da biossegurança. O artigo 43 da
versão que tramita agora no Senado autoriza o plantio de uma nova
safra sem a certificação das sementes nem a aplicação das regras de licenciamento ambiental.
O artigo torna inócua, portanto,
a regra fixada em setembro passado, quando a última safra foi autorizada. Na ocasião, uma medida
provisória obrigava os produtores a incinerarem as sementes logo depois da colheita, o que poria
fim à linhagem das sementes contrabandeadas. A medida provisória foi transformada em lei e ainda
está em vigor, mas é como se não
existisse.
"O produtor guardou suas sementes, está com elas em casa,
prontas para plantar", afirma o
engenheiro agrônomo Almir Rebelo, presidente do Clube Amigos
da Terra de Tupanciretã, município que abriga a maior área de soja do Rio Grande do Sul, cerca de
120 mil hectares de culturas transgênicas.
Além de tirar da clandestinidade o plantio de sementes geneticamente modificadas, o principal
efeito da medida provisória de
outubro foi permitir à multinacional Monsanto, dona dos direitos de propriedade intelectual do
gene resistente ao herbicida fabricado pela empresa, cobrar royalties dos produtores de soja, principalmente no Rio Grande do Sul.
Foi cobrado R$ 0,60 por saca de
60 quilos de soja comercializada.
Royalties
Para a safra que começa a ser
plantada em setembro, o valor do
royalty vai dobrar, afirma Lúcio
Mocsányi, diretor da Monsanto
no Brasil. "Para a próxima safra, o
valor será aquele que já havia sido
negociado, ou seja, R$ 1,20 por saca de 60 quilos", disse, sem revelar
a expectativa de arrecadação da
empresa. Os produtores pretendem ainda questionar o valor a
ser pago no ano que vem.
Na avaliação feita no Palácio do
Planalto, a nova safra de soja
transgênica é um fato consumado. A estratégia do governo é
aprovar o projeto de lei de biossegurança antes do início do plantio
em setembro. No comando desse
esforço está o chefe da Casa Civil,
José Dirceu. Caso a votação demore muito e haja risco aos produtores, uma nova medida provisória será editada.
"A situação é a seguinte: não
existe a possibilidade de o produtor não plantar a soja transgênica
nem temos a semente convencional", resume Almir Rebelo.
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