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DIPLOMACIA
Em discursos, parlamentares acusam Brasil de cartel, de explorar crianças e de ameaça a empregos e famílias americanos
Brasil é "espinho" para Congresso dos EUA
MARCIO AITH
DE WASHINGTON
Uma visão extremamente negativa e perversa sobre o Brasil apareceu nos últimos meses com a
nova onda protecionista do Congresso norte-americano.
Senadores e deputados norte-americanos consideram o Brasil
um adversário intransigente dos
EUA, um "espinho" para os interesses econômicos norte-americanos e um país que golpeia abaixo da cintura para obter vantagens comerciais.
Essa visão, quase majoritária,
consta de discursos cujas íntegras
foram pesquisadas pela Folha e
foi usada para legitimar e reforçar
instrumentos dos EUA para proteger seus interesses econômicos.
Entre esses instrumentos estão
as leis de salvaguarda e de antidumping, os subsídios agrícolas
fornecidos aos produtores rurais
pela nova lei agrícola do país e as
restrições às importações de produtos siderúrgicos. Todas prejudicam interesses brasileiros.
São mais de cem citações ao
Brasil desde janeiro. Várias delas
foram proferidas pelo "baixo clero" (deputados e senadores com
pouca expressão política) do
Congresso, mas outras constam
de pronunciamentos de parlamentares influentes como Max
Baucus, senador democrata por
Montana desde 1978.
"O Brasil é um espinho para nós
e para os diversos países da América do Sul que querem juntar-se
aos nossos esforços para chegar a
um acordo da Alca [Área de Livre
Comércio das Américas"", disse
Baucus, que preside o influente
comitê de assuntos financeiros do
Senado.
Benefícios
Ao referir-se à insistência do
Brasil para que os EUA mudem
suas regras antidumping, Baucus
disse, no dia 14 deste mês: "É importante recuar um pouco e perguntar por que o Brasil quer que
nossas leis comerciais fiquem
mais fracas. A resposta é muito
clara: suas companhias e seus trabalhadores vão beneficiar-se a
custa dos nossos".
A Folha só localizou duas citações que, embora não sejam favoráveis ao Brasil, alertam o Congresso para o impacto que as medidas protecionistas terão sobre a
política brasileira e sobre o cronograma da Alca.
Uma delas foi feita no dia 7 deste mês pelo deputado democrata
William Jefferson, do Estado da
Louisiana, como crítica à decisão
da Casa Branca que elevou restrições às importações siderúrgicas.
"Ainda neste ano, os Estados
Unidos e o Brasil vão assumir a vice-presidência das negociações
da Alca. As eleições presidenciais
brasileiras estão agendadas para
outubro deste ano. Há evidências
de que a decisão do presidente
[Bush] fortaleceu o viés protecionista dos candidatos concorrendo
à Presidência. Claramente, a decisão da Casa Branca tem o potencial de detonar atrasos nas conversas da Alca."
Vilão
A opinião de Jefferson é isolada.
Em sua maioria, parlamentares
norte-americanos acham que o
Brasil merece medidas retaliatórias por manter práticas comerciais imorais, injustas, que teriam
como objetivo o controle monopolista do mercado.
"Existem 2,9 milhões de crianças brasileiras abaixo de 15 anos
trabalhando, trabalhando em indústrias e em outras circunstâncias, fabricando produtos que virão para nossos mercados. Vocês
acham que é justo pedir a alguém
de Pittsburgh -que está tentando criar uma família, que tem um
bom salário e que trabalha num
ambiente seguro- para competir contra uma criança de 12 anos
de idade?", indagou no dia 1º deste mês o senador democrata
Byron Dorgan, do Estado de Dakota do Norte.
"O Brasil tem 50% do mercado
mundial de laranja", reclamou na
última quarta-feira o senador democrata Bill Nelson, do Estado da
Flórida. "Se tirarmos a tarifa que
hoje protege a citricultura da Flórida, da Califórnia e do Arizona, o
Brasil terá 100% do mercado
mundial e isso não é comércio livre. Senadores, vocês estão entendendo?"
Segundo análise convencional
sobre política norte-americana,
parlamentares nos EUA são movidos por interesses locais e tendem a ignorar o resto do mundo.
No entanto, os discursos localizados pela Folha identificam uma
preocupação especial com o Brasil que não pode ser confundida
com desprezo.
Foco das atenções
"O Brasil tem sido foco crescente de atenção porque tem tomado
posições contrárias aos EUA em
vários temas", disse à Folha Peter
Hakin, presidente do Diálogo Interamericano. "Esses discursos
refletem isso."
A única coisa que o Brasil não
pode se queixar é de ter sido "espinafrado" sozinho pelos congressistas. Embora o país tenha sido mais criticado que qualquer
outro da América Latina (com exceção de Cuba e da Venezuela),
outros também foram atacados
ou até ridicularizados.
Depois de acusar o Brasil de jogar suco concentrado de laranja
abaixo do custo no mercado norte-americano, o senador democrata Ernest Hollings, da Carolina
do Sul, fez o seguinte diagnóstico
da crise econômica da Argentina
depois de retornar de Buenos Aires.
"Acho que o problema que a
Argentina enfrenta é a compulsão
pelo consumo. Todo mundo em
Buenos Aires parece estar comprando alguma coisa e, quando
não estão, estão nos "yacht clubs"
ou em sessões de psicanálise. Outro passatempo dos argentinos é
visitar os cemitérios. No cemitério mais em moda na Argentina,
fiquei impressionado ao visualizar algo que mais se parecia com
uma cidade, e não com um local
de sepultamentos. Mausoléus familiares competiam uns com os
outros por esplendor de mármore. Alguns tinham mais de um andar. Um deles tinha elevador. Pelas ruas dessa cidade macabra,
mulheres vestindo peles de marta
caminhavam com poodles em
miniatura que vestiam casacos
tartan (pano escocês axadrezado)."
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