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ARTIGO
Brasil não é Argentina, mas pode ter uma bomba-relógio
RICHARD LAPPER
RAYMOND COLITT
DO "FINANCIAL TIMES"
O Brasil está sob pressão.
Na sexta-feira, o real despencou à sua pior marca de todos
os tempos diante do dólar, antes
de se recuperar ligeiramente nas
operações da tarde. O ágio sobre
os papéis da dívida brasileira aumentou de maneira alarmante. O
mercado de ações caiu à sua mais
baixa marca deste ano. Os investidores internacionais, ao que parece, estão abandonando o país.
A decisão tomada na semana
passada pela agência de classificação de crédito Moody's de rebaixar sua perspectiva quanto ao
Brasil alimentou especulações de
que o país talvez esteja pronto a
seguir o exemplo argentino e decretar moratória. Se o fizer, o resto da América Latina poderia
acompanhá-lo.
"O Brasil será o teste da situação
latino-americana", diz Arturo
Porzecanski, economista-chefe
de mercados emergentes no ABN
Amro de Nova York. "Deus nos
ajude a todos caso o país fracasse", afirma.
Até recentemente, isso pareceria improvável. O país superou os
traumáticos eventos de 1998 e
1999, quando o governo se viu
forçado a desvalorizar sua moeda.
A melhora na situação de muitos
outros mercados emergentes torna o sofrimento brasileiro ainda
mais intrigante. Assim, o que
realmente está acontecendo?
A raiz das preocupações dos
mercados é Luiz Inácio Lula da
Silva, Candidato à presidência pelo PT. Desde o começo de maio, a
vantagem de Lula em relação ao
candidato do partido governista,
José Serra (PSDB), aumentou significativamente.
Nascido das batalhas sindicais
do final dos anos 70, o PT se tornou muito mais moderado ao
longo dos últimos dez anos.
Por exemplo, conquistou uma
reputação por governo limpo e
administração responsável nas cidades e Estados onde venceu eleições locais. Mas a recente caminhada do PT rumo ao centro expôs divisões internas no partido.
Um amplo compromisso para
com a estabilidade financeira disfarça as cisões entre as facções do
partido. A facção moderada que
Lula dirige -conhecida como
Articulação- é majoritária no
partido, mas tem de enfrentar a
oposição de muitos dos militantes de base (300 mil membros), os
quais tendem a se opor à economia de mercado e a favorecer
uma reforma anticapitalista radical.
Os líderes do partido empregam uma linguagem que reflete as
tradições revolucionárias e seria
difícil de reconciliar com a economia de mercado. Os princípios
econômicos aceitos pelo consenso partidário em dezembro do
ano passado falam em "ruptura"
com o modelo econômico atual.
José Dirceu, presidente do partido e aliado de Lula, diz que o PT
representa ""um projeto pós-comunista e pós-socialista em construção".
A despeito de sua experiência
local, o PT teria de enfrentar uma
curva de aprendizado íngreme
caso conquiste o poder nacional.
A situação seria um teste complicado de qualquer jeito, mas é possível que o partido herde uma situação financeira deteriorada.
A economia do Brasil teve crescimento quase nulo nos 12 meses
até 31 de março, a expansão foi inferior a 0,5%. A dívida pública se
expandiu para R$ 685 bilhões, o
equivalente a 55,6% do Produto
Interno Bruto (PIB). Com taxas
de juros de 18,5% e inflação abaixo dos 7% anuais, o serviço dessa
dívida é dispendioso. Os pagamentos de juros respondem por
cerca de 9% do PIB, o que significa que, para impedir que a dívida
se torne um fardo ainda mais pesado, o governo precisa manter
um grande e impopular superávit
orçamentário no restante de seu
orçamento.
Pior ainda, o governo teve de
oferecer garantias para convencer
investidores a comprar títulos às
taxas vigentes. Cerca de 80% da
dívida está indexada dessa forma.
E mesmo isso ocasionalmente
não representa incentivo insuficiente para os compradores de títulos de dívida, o que forçou o
Banco Central a adotar papéis de
vencimento mais curto.
Como resultado, o volume de
dívida a ser pago nos primeiros
meses do novo governo é mais
elevado do que o governo esperava, o que pode aumentar ainda
mais as pressões financeiras. Como diz Eduardo Giannetti, um
historiador da economia, "meu
medo é que [mesmo que o PT
vença" eles herdem uma situação
tão crítica que não lhes dará a
chance de provar o quanto são diferentes".
Talvez esses temores sejam exagerados. Por exemplo, existem
muitas diferenças entre o Brasil e
a Argentina, que decretou a moratória de suas dívidas em dezembro passado. Enquanto a Argentina estava presa a uma taxa fixa de
câmbio, o regime de câmbio flutuante brasileiro protegeu o país
contra o tipo de choque -o dólar
em alta ou os baixos preços das
commodities- que ajudou a
conduzir a Argentina pela rota do
desastre. Enquanto a dívida argentina era em sua maior parte
denominada em dólares, a brasileira é basicamente doméstica,
principalmente denominada em
moeda local e detida majoritariamente por instituições brasileiras.
Enquanto a Argentina fracassou seguidas vezes em cumprir as
metas estipuladas por seus acordos com o Fundo Monetário Internacional (FMI), as relações
brasileiras com o Fundo são excelentes. A administração fiscal vem
sendo eficiente, e uma lei de responsabilidade fiscal limita o potencial de gastos excessivos por
parte dos governos locais. Na semana passada, o Brasil anunciou
que estava reagindo à crise por
meio de um saque de US$ 10 bilhões da linha de créditos do FMI.
Além disso, Wall Street está
mais preocupada com Lula do
que muitas empresas locais. Em
1989, o então presidente da Fiesp
(Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) Mario Amato
disse que os membros do grupo
correriam ao aeroporto caso Lula
vencesse. Hoje, os líderes empresariais demonstram mais otimismo. Mencionando os diversos
acordos que conseguiu com governos do PT em cidades e Estados brasileiros, Luiz Furlan, vice-presidente da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), diz
que "tanto os candidatos quanto
o setor privado amadureceram.
Não existe motivo para uma rejeição a priori".
A vantagem de Lula nas pesquisas de opinião pública não quer
dizer que ele vá vencer. Lula esteve à frente nas pesquisas nas três
eleições presidenciais passadas,
mas terminou derrotado em todos os casos. Faltam ainda mais
de três meses para o primeiro turno, e a maior parte dos brasileiros
se preocupa mais no momento
com a classificação da seleção para a final da Copa do Mundo.
A campanha eleitoral na televisão, que começa em agosto, terá
influência decisiva. Menos de um
em cada cinco brasileiros é afiliado a um partido, e a propaganda
na televisão ajuda muitos dos brasileiros mais pobres e com nível
educacional inferior a decidir.
Serra terá vantagem no tempo de
propaganda na TV, como reflexo
da coalizão de centro e centro-esquerda entre o PMDB e o PSDB,
que apóiam sua candidatura.
Mesmo assim, para os investidores estrangeiros que talvez jamais tenham visitado a região, os
paralelos com a Argentina parecem presságios. E a preocupação
é que a percepção deles comece a
influenciar os acontecimentos. O
ágio entre os bônus brasileiros e
os títulos do Tesouro dos Estados
Unidos chegou a 15 pontos percentuais esta semana -o mais alto desde 1999, quando muitos investidores temiam o caos financeiro e a volta da hiperinflação.
No ano passado, na Argentina, a
indecisão política, a estagnação
econômica e uma crise fiscal se
combinaram para torpedear o
presidente Fernando de la Rúa. O
Brasil, com sua economia de base
mais ampla e sua classe política
mais sofisticada, está em posição
muito melhor e talvez evite esse
destino. Mas todos os seus líderes
precisam estar conscientes de que
podem ter de desarmar uma
bomba-relógio.Como disse Raul
Velloso, especialista em finanças
públicas, "a combinação de risco
político e fundamentos fiscais frágeis é pura nitroglicerina".
Tradução de Paulo Migliacci
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