São Paulo, quarta-feira, 26 de junho de 2002

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LUÍS NASSIF

A operação dos C-bonds

Ainda não estão claros os motivos que levaram o Banco Central a recomprar títulos da dívida externa nas últimas semanas, o que foi classificado de "uma forma boa" de gastar as reservas internacionais. Nem são convincentes as explicações dadas pelo presidente do Banco Central, Armínio Fraga, em sua entrevista ao programa "Roda Viva".
O mercado de C-bonds é estreito, de baixa liquidez, sujeito a movimentos especulativos. Seus atores cabem em uma mesa pequena no happy hour do Oak Room, onde costumam se reunir para o martíni diário. Por isso mesmo, conseguem operar o mercado da forma como quiserem.
Armínio deu três explicações para a operação.
A primeira é que se deveria aproveitar o barateamento dos papéis de curto prazo para quitar dívidas e reduzir a pressão sobre o novo presidente. Equivale ao bombeiro desviar-se do incêndio que lavra na floresta para molhar algumas árvores mais à frente, que poderão futuramente estar sujeitas ao fogo.
A segunda é que a recompra abriria espaço para a rolagem de títulos privados. De que maneira? A lógica é que, se o sujeito tem uma determinada exposição ao Brasil, ao recomprar os títulos públicos ele substituiria para papéis privados brasileiros. Com o risco Brasil a mais de 1.500 pontos, é mais fácil comprar papéis da Colômbia conflagrada. A operação serviu apenas para que eles saíssem da posição Brasil.
A terceira é que o BC não pode deixar ao léu quem apostou a favor do Brasil. Ao recomprar os C-bonds de curto prazo, o BC não inverteu sua queda, mas tentou minimizar o prejuízo dos investidores. Ora, quem está saindo da posição Brasil não está apostando a favor. São os mesmos três ou quatro bancos que, em qualquer momento de turbulência, potencializam a crise. Aliás, são os mesmos que estão atuando quase solitariamente no mercado, já que os bancos mais técnicos e/ou mais conservadores preferem se afastar em momentos de loucura.
Na audiência pública na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara, Armínio manteve em segredo a data e o valor total. Operações desse tipo comportam sigilo. Mesmo assim, o BC precisará comprovar que havia uma lógica de interesse nacional na operação e que essa estratégia é eficaz. Afinal, está se gastando água no deserto.
Não há nenhum motivo para desconfiar da isenção do BC. Mas operação desse tipo cheira à chantagem tipo "se o BC me ajuda a sair dessa, eu ajudo o BC".

Agradecimentos
Com o risco de parecer imodesto, mas para não correr o risco de parecer ingrato, gostaria de agradecer às homenagens de que a coluna foi alvo da Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico, dos bravos militantes do Teatro Popular Olho Vivo, da Escola de Samba Camisa Verde e -com um pouco de atraso da minha parte- da Associação dos Juízes Federais, do Tribunal Regional Federal de Brasília e do Movimento Pela Qualidade do Estado do Rio de Janeiro.
Menos que a personalização, o que importa é a comprovação de que é possível, em um mesmo espaço, conviverem a bandeira da modernização e dos valores culturais de nosso povo, a busca de novos paradigmas da globalização e a defesa dos direitos individuais e do aprimoramento das instituições democráticas clássicas.

Previ
A SPC (Secretaria da Previdência Complementar) até pode ter razão legal para intervir na Previ. Mas não se pode perder de vista que a participação de representantes dos trabalhadores no Conselho da Previ impediu a continuidade de operações duvidosas, além de ter sido fundamental para legitimar o grande acordo entre o fundo e seu patrocinador, o Banco do Brasil. Governança corporativa supõe compartilhamento de gestão. Não está certo jogar a banheira com a criança dentro.

Sensus
A empresa de pesquisas Sensus entra em contato para explicar o descompasso entre seus resultados e o de outras instituições ao apontar queda de José Serra nas pesquisas quando outras empresas apontavam alta e, agora, apontar alta.
Segundo a empresa, a pesquisa anterior ocorreu especificamente na semana em que houve o caso Lunus, a tentativa de imputar a responsabilidade da devassa da empresa de Murad a FHC e Serra e o caso Ricardo Sérgio. Houve reação dos eleitores de maior renda do centro-sul e um movimento dos nordestinos em direção a Lula.
Foi a única pesquisa divulgada na ocasião, por conta do compromisso com a Confederação Nacional dos Transportes. O Datafolha não quis fazer a pesquisa de campo, por considerar que a amostragem estaria contaminada. E a pesquisa do Ibope para o Bank of America não foi divulgada.
Essa a razão da discrepância. Posteriormente, o medo da crise e a indicação de Rita Camata levaram à inversão dos votos a Serra.

E-mail - lnassif@uol.com.br



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