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RECEITA ORTODOXA
Dirigente diz que decisões do banco são técnicas e autônomas
Para Meirelles, BC deve se preocupar só com inflação
VALDO CRUZ
DIRETOR-EXECUTIVO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Comandante do Banco Central
responsável pela recente alta nos
juros, Henrique Meirelles, 59,
acredita na reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em
sua avaliação, a criticada política
econômica irá beneficiar Lula,
principalmente na segunda metade de seu atual mandato.
Pressionado por setores do governo a ter mais preocupação
com o setor produtivo, e não só
com a inflação, Meirelles diz ser
contra a adoção de metas de crescimento e emprego. "Banco Central de sucesso tem apenas uma
meta [a de inflação]."
Em entrevista à Folha na sexta-feira passada, Meirelles atribuiu à
falta de autonomia formal e jurídica do BC "as fantasias e especulações" sobre a ingerência política
no Copom (Comitê de Política
Monetária). Ele continua acreditando, porém, que o governo vai
enviar ao Congresso a proposta
de autonomia.
Eleito deputado federal pelo
PSDB -foi obrigado a renunciar
para assumir o BC-, Meirelles
disse que a oposição pode estar
"exagerando" em suas críticas ao
governo Lula. Sobre seu destino,
diz que quem está no BC não pode ter atuação política. Mas não
descarta totalmente uma nova
disputa por cargo público, ao afirmar que "evidentemente não podemos prever o futuro".
Folha - Hoje, diante da situação
econômica e política do país, o sr.
acredita na reeleição do presidente
Lula?
Henrique Meirelles - Como observador da cena política e de leitor de jornais, parece-me que sim.
Acho que, pelos índices de aprovação, pelo próprio processo de
aperfeiçoamento da estrutura do
governo, da economia, a tendência será uma melhora da posição
do presidente na segunda metade
do mandato.
Folha - No que depender da política econômica do ministro Antonio Palocci Filho e do sr., quais são
as chances de reeleição do presidente?
Meirelles - A finalidade da política econômica não é eleição, é criar
um processo de crescimento sustentado para o país. Ela não se
submete ao calendário eleitoral.
Em dito isso, não há dúvidas de
que o país está crescendo com
sustentabilidade, com renda crescendo, emprego crescendo. Tudo
andando na direção correta tende
a beneficiar o governante, no caso
o presidente.
Folha - E no seu caso, depois de
ser presidente do BC, o sr. pretende
voltar a se candidatar a algum
cargo público?
Meirelles -
Quem está no
Banco Central
não pode ter
atuação política. A função de
presidente do
BC não é de popularidade fácil, de alguém
que pretenda
uma rota política. Evidentemente não podemos prever o
futuro, mas
olhando hoje
estou focado
numa política
que mude a rota de crescimento do país
nas próximas
décadas.
Folha - O sr.
integrou o
PSDB, foi eleito
deputado pelo
partido, que hoje faz oposição
ao governo Lula. O sr. acha
que algumas figuras do PSDB estão
exagerando nas críticas ao governo Lula, como o senador Tasso Jereissati?
Meirelles - O PT está num processo de crescimento e amadurecimento em tendo assumido o governo, o que acho extremamente
positivo para o país. De outro lado, acho normal que partidos que
estavam no governo, passando
para o outro lado, adquiram um
tom oposicionista. Em alguns
momentos, esse tom oposicionista pode estar sendo levado a alguns exageros, perdendo um
pouco as plataformas tradicionais
de alguns partidos de oposição.
Folha - Isso inclui o PSDB?
Meirelles - Sim, também.
Folha - Como o sr. reage a interpretações de uso político do BC, de
que o banco sofre pressões políticas e, em algumas oportunidades,
toma decisões levando em conta
essas pressões?
Meirelles - De um lado, é normal
que existam esses boatos ou rumores. O fato de o Banco Central
não ter a autonomia jurídica e formal dá margem a fantasias e especulações. Faz parte das chamadas
dores do amadurecimento. O
Brasil está crescendo na direção
de ter um Banco Central, caso seja
essa a decisão do Congresso, com
autonomia. A realidade é que não
há pressão do presidente, do ministro.
Folha - Mas recentemente o próprio presidente disse numa entrevista que manifestou
ao sr. o desejo de que
as reuniões do Copom
não fossem mensais...
Meirelles - Aquilo
foi numa reunião geral, em que o assunto
não era política monetária. Foi um comentário de bom humor, sobre a tensão
pré-Copom. Foi meramente uma brincadeira, de um presidente que é bem-humorado.
Folha - O que o sr. diria ao empresário Antônio Ermírio de Moraes, que diz que a política monetária é um
presente ao especulador e um fardo ao produtor?
Meirelles - Primeiro, tenho grande respeito e carinho pelo
sr. Antônio Ermírio
de Moraes. Por outro
lado, é importante dizer que o Banco Central, como qualquer
outro do mundo,
adota uma posição
técnica, tem uma meta de inflação. Ele não fixa a taxa
de juros para beneficiar esse ou
aquele setor, procura a taxa correta. Agora, o debate é livre, legítimo, faz parte da democracia.
Existe legitimamente uma impaciência nacional, de que resolvamos todos os problemas, que os
juros caiam. Eu tenho uma grande simpatia por essa grande ansiedade nacional.
Folha - Mas, quando essa ansiedade é demonstrada por um ministro de Estado da importância de José Dirceu, que diz que não é um robô e critica abertamente a política
do BC, isso não prejudica a ação da
autoridade monetária?
Meirelles - Olha, isso é uma demonstração clara da autonomia
do Copom. Você pode ler isso de
uma forma extremamente positiva. Na medida em que o Copom é
absolutamente autônomo, todos
se sentem à vontade para manifestar suas opiniões.
Folha - O sr. acha que a função do
BC deveria ir além do controle da
inflação e, como o Federal Reserve
(BC dos Estados Unidos), também
incluir a geração de emprego ou
mesmo o crescimento da economia
nas suas preocupações?
Meirelles - Vamos deixar o Fed
de lado, porque ele não tem nenhuma meta explícita. Bancos
que têm metas explícitas, por
exemplo, o Banco Central europeu, o da Inglaterra, da Suíça, têm
apenas meta de inflação.
O pressuposto é que um país
que tem inflação estável tem
melhores condições para
crescimento.
Não há contradição entre
crescimento e
inflação sob
controle. Para
isso é que existe uma fixação
de metas pelo
Conselho Monetário Nacional, que leva
em conta que
se assegure o
maior ganho
possível de
produto dentro da estratégia de convergência para as
metas.
Folha - Mas
não poderia fazer parte da
preocupação do
BC o crescimento...
Meirelles -
Vamos dizer o
seguinte, você
é um atleta,
quer progredir, ganhar competições. O médico não deve tentar te
dar anabolizantes que podem
prejudicar sua saúde. Isso dá problema, como nós sabemos. Você
tem é de treinar, ter uma boa estrutura física, para ganhar a competição. Não compete ao médico
tentar artificialmente fazer alguém totalmente despreparado ir
lá e ganhar a maratona.
Folha - Ou seja, o sr. não vai dar
anabolizante para a economia?
Meirelles - A economia brasileira precisa ter as melhores condições possíveis para crescer. Soluções mágicas, heterodoxas, já foram tentadas no passado. Criaram pequenas bolhas de crescimento que estouraram em seguida. Nós vamos assegurar que o
Brasil tenha crescimento não só
em 2004, como também em 2005
e nos próximos anos.
Folha - Não foi um erro manter a
meta de inflação de 2005 em 4,5%,
já que agora o Banco Central trabalha para que o IPCA não supere
5,1%?
Meirelles - Não, a manutenção
da meta foi absolutamente correta. O que o Banco Central fez agora foi atuar dentro da margem de
tolerância definida pelo Conselho
Monetário Nacional. Dentro desse intervalo, ele tem autonomia
para fixar seu objetivo e mirar
uma inflação. Ele foi transparente, sinalizou para a sociedade qual
é a calibragem de sua política monetária para se chegar aos 5,1%
para o próximo ano.
Folha - O IBGE mostrou que a massa real
de salários caiu em
agosto; a taxa de desemprego está ainda
acima de 11%; o consumo de bens duráveis e não-duráveis
ainda está longe de
patamares de 2000 e
1996. Onde está a
pressão da demanda
que justifique o último aumento de juros?
Meirelles - Primeiro, o ritmo de expansão econômica está
forte, a tendência dos
índices de expansão
de emprego continua
forte, a da expansão
industrial continua
forte, há indícios de
desaceleração saudável de alguns segmentos que estavam
superaquecidos. Portanto, o BC decidiu
atuar preventivamente, visando que
não houvesse deterioração não só das
expectativas como da
inflação corrente.
Folha - A curva do crescimento estava num ritmo que poderia estimular a inflação?
Meirelles - Não, a curva de inflação estava indo numa direção que
poderia prejudicar o crescimento.
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