São Paulo, domingo, 26 de setembro de 2004

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RECEITA ORTODOXA

Dirigente diz que decisões do banco são técnicas e autônomas

Para Meirelles, BC deve se preocupar só com inflação

VALDO CRUZ
DIRETOR-EXECUTIVO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA


Comandante do Banco Central responsável pela recente alta nos juros, Henrique Meirelles, 59, acredita na reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em sua avaliação, a criticada política econômica irá beneficiar Lula, principalmente na segunda metade de seu atual mandato.
Pressionado por setores do governo a ter mais preocupação com o setor produtivo, e não só com a inflação, Meirelles diz ser contra a adoção de metas de crescimento e emprego. "Banco Central de sucesso tem apenas uma meta [a de inflação]."
Em entrevista à Folha na sexta-feira passada, Meirelles atribuiu à falta de autonomia formal e jurídica do BC "as fantasias e especulações" sobre a ingerência política no Copom (Comitê de Política Monetária). Ele continua acreditando, porém, que o governo vai enviar ao Congresso a proposta de autonomia.
Eleito deputado federal pelo PSDB -foi obrigado a renunciar para assumir o BC-, Meirelles disse que a oposição pode estar "exagerando" em suas críticas ao governo Lula. Sobre seu destino, diz que quem está no BC não pode ter atuação política. Mas não descarta totalmente uma nova disputa por cargo público, ao afirmar que "evidentemente não podemos prever o futuro".
 

Folha - Hoje, diante da situação econômica e política do país, o sr. acredita na reeleição do presidente Lula?
Henrique Meirelles -
Como observador da cena política e de leitor de jornais, parece-me que sim. Acho que, pelos índices de aprovação, pelo próprio processo de aperfeiçoamento da estrutura do governo, da economia, a tendência será uma melhora da posição do presidente na segunda metade do mandato.

Folha - No que depender da política econômica do ministro Antonio Palocci Filho e do sr., quais são as chances de reeleição do presidente?
Meirelles -
A finalidade da política econômica não é eleição, é criar um processo de crescimento sustentado para o país. Ela não se submete ao calendário eleitoral. Em dito isso, não há dúvidas de que o país está crescendo com sustentabilidade, com renda crescendo, emprego crescendo. Tudo andando na direção correta tende a beneficiar o governante, no caso o presidente.

Folha - E no seu caso, depois de ser presidente do BC, o sr. pretende voltar a se candidatar a algum cargo público?
Meirelles -
Quem está no Banco Central não pode ter atuação política. A função de presidente do BC não é de popularidade fácil, de alguém que pretenda uma rota política. Evidentemente não podemos prever o futuro, mas olhando hoje estou focado numa política que mude a rota de crescimento do país nas próximas décadas.

Folha - O sr. integrou o PSDB, foi eleito deputado pelo partido, que hoje faz oposição ao governo Lula. O sr. acha que algumas figuras do PSDB estão exagerando nas críticas ao governo Lula, como o senador Tasso Jereissati?
Meirelles -
O PT está num processo de crescimento e amadurecimento em tendo assumido o governo, o que acho extremamente positivo para o país. De outro lado, acho normal que partidos que estavam no governo, passando para o outro lado, adquiram um tom oposicionista. Em alguns momentos, esse tom oposicionista pode estar sendo levado a alguns exageros, perdendo um pouco as plataformas tradicionais de alguns partidos de oposição.

Folha - Isso inclui o PSDB?
Meirelles -
Sim, também.

Folha - Como o sr. reage a interpretações de uso político do BC, de que o banco sofre pressões políticas e, em algumas oportunidades, toma decisões levando em conta essas pressões?
Meirelles -
De um lado, é normal que existam esses boatos ou rumores. O fato de o Banco Central não ter a autonomia jurídica e formal dá margem a fantasias e especulações. Faz parte das chamadas dores do amadurecimento. O Brasil está crescendo na direção de ter um Banco Central, caso seja essa a decisão do Congresso, com autonomia. A realidade é que não há pressão do presidente, do ministro.

Folha - Mas recentemente o próprio presidente disse numa entrevista que manifestou ao sr. o desejo de que as reuniões do Copom não fossem mensais...
Meirelles -
Aquilo foi numa reunião geral, em que o assunto não era política monetária. Foi um comentário de bom humor, sobre a tensão pré-Copom. Foi meramente uma brincadeira, de um presidente que é bem-humorado.

Folha - O que o sr. diria ao empresário Antônio Ermírio de Moraes, que diz que a política monetária é um presente ao especulador e um fardo ao produtor?
Meirelles -
Primeiro, tenho grande respeito e carinho pelo sr. Antônio Ermírio de Moraes. Por outro lado, é importante dizer que o Banco Central, como qualquer outro do mundo, adota uma posição técnica, tem uma meta de inflação. Ele não fixa a taxa de juros para beneficiar esse ou aquele setor, procura a taxa correta. Agora, o debate é livre, legítimo, faz parte da democracia. Existe legitimamente uma impaciência nacional, de que resolvamos todos os problemas, que os juros caiam. Eu tenho uma grande simpatia por essa grande ansiedade nacional.

Folha - Mas, quando essa ansiedade é demonstrada por um ministro de Estado da importância de José Dirceu, que diz que não é um robô e critica abertamente a política do BC, isso não prejudica a ação da autoridade monetária?
Meirelles -
Olha, isso é uma demonstração clara da autonomia do Copom. Você pode ler isso de uma forma extremamente positiva. Na medida em que o Copom é absolutamente autônomo, todos se sentem à vontade para manifestar suas opiniões.

Folha - O sr. acha que a função do BC deveria ir além do controle da inflação e, como o Federal Reserve (BC dos Estados Unidos), também incluir a geração de emprego ou mesmo o crescimento da economia nas suas preocupações?
Meirelles -
Vamos deixar o Fed de lado, porque ele não tem nenhuma meta explícita. Bancos que têm metas explícitas, por exemplo, o Banco Central europeu, o da Inglaterra, da Suíça, têm apenas meta de inflação.
O pressuposto é que um país que tem inflação estável tem melhores condições para crescimento. Não há contradição entre crescimento e inflação sob controle. Para isso é que existe uma fixação de metas pelo Conselho Monetário Nacional, que leva em conta que se assegure o maior ganho possível de produto dentro da estratégia de convergência para as metas.

Folha - Mas não poderia fazer parte da preocupação do BC o crescimento...
Meirelles -
Vamos dizer o seguinte, você é um atleta, quer progredir, ganhar competições. O médico não deve tentar te dar anabolizantes que podem prejudicar sua saúde. Isso dá problema, como nós sabemos. Você tem é de treinar, ter uma boa estrutura física, para ganhar a competição. Não compete ao médico tentar artificialmente fazer alguém totalmente despreparado ir lá e ganhar a maratona.

Folha - Ou seja, o sr. não vai dar anabolizante para a economia?
Meirelles -
A economia brasileira precisa ter as melhores condições possíveis para crescer. Soluções mágicas, heterodoxas, já foram tentadas no passado. Criaram pequenas bolhas de crescimento que estouraram em seguida. Nós vamos assegurar que o Brasil tenha crescimento não só em 2004, como também em 2005 e nos próximos anos.

Folha - Não foi um erro manter a meta de inflação de 2005 em 4,5%, já que agora o Banco Central trabalha para que o IPCA não supere 5,1%?
Meirelles -
Não, a manutenção da meta foi absolutamente correta. O que o Banco Central fez agora foi atuar dentro da margem de tolerância definida pelo Conselho Monetário Nacional. Dentro desse intervalo, ele tem autonomia para fixar seu objetivo e mirar uma inflação. Ele foi transparente, sinalizou para a sociedade qual é a calibragem de sua política monetária para se chegar aos 5,1% para o próximo ano.

Folha - O IBGE mostrou que a massa real de salários caiu em agosto; a taxa de desemprego está ainda acima de 11%; o consumo de bens duráveis e não-duráveis ainda está longe de patamares de 2000 e 1996. Onde está a pressão da demanda que justifique o último aumento de juros?
Meirelles -
Primeiro, o ritmo de expansão econômica está forte, a tendência dos índices de expansão de emprego continua forte, a da expansão industrial continua forte, há indícios de desaceleração saudável de alguns segmentos que estavam superaquecidos. Portanto, o BC decidiu atuar preventivamente, visando que não houvesse deterioração não só das expectativas como da inflação corrente.

Folha - A curva do crescimento estava num ritmo que poderia estimular a inflação?
Meirelles -
Não, a curva de inflação estava indo numa direção que poderia prejudicar o crescimento.


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