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NEODESENVOLVIMENTISMO
Para presidente do BNDES, expansão sustentável depende do setor produtivo, mas meta fiscal atrapalha
País só crescerá com investimento, diz Lessa
GUILHERME BARROS
EDITOR DO PAINEL S.A.
O presidente do BNDES (Banco
Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social), Carlos Lessa, 67, acha que o Brasil precisa e
tem condições para crescer a taxas acima de 5% ao ano, e de forma consistente. Para isso, Lessa
diz que o Brasil deve dar partida a
uma política neodesenvolvimentista com ênfase na retomada dos
investimentos.
Entre outras idéias, Lessa apóia
a proposta apresentada na semana passada na Folha pelo empresário Antônio Ermírio de Moraes,
segundo a qual o governo deve liderar esse novo processo de desenvolvimento da economia para
fazer com que os empresários voltem a investir. "Quando o governo define com clareza uma frente
de expansão, sempre vêm respostas", diz Lessa.
Ele voltou a defender a redução
gradual dos juros, discordou sutilmente do aumento da meta de
superávit primário (de 4,25% para 4,50% do PIB neste ano) e ainda falou de sua relação com o ministro do Desenvolvimento, Luiz
Fernando Furlan.
A seguir, a entrevista concedida
por Lessa na quinta-feira, em seu
gabinete, no Rio de Janeiro.
Folha - Na semana passada, o empresário Antônio Ermírio de Moraes propôs uma nova onda desenvolvimentista no país, com o governo liderando o processo. O que
o sr. acha da idéia?
Carlos Lessa - O Antônio Ermírio
[de Moraes] é, sem dúvida nenhuma, um empresário de muito
sucesso, e o que ele fez foi lembrar
uma coisa que é absolutamente
verdadeira. Os empresários estruturam suas decisões procurando
coordená-las com as propostas
globais para a sociedade como
um todo, principalmente aquele
empresário que tem audácia. Isso
porque ele tem de ir além da configuração do horizonte imediato.
Quando o governo define com
clareza uma frente de expansão,
sempre vêm respostas. O que o
Antônio Ermírio chamou a atenção é que planos -como o Plano
de Metas do governo JK- fixam
com clareza alvos que a politica
pública pretende alcançar a médio e longo prazos. É uma tarefa
típica de planejamento, mas não é
um planejamento no sentido macroeconômico convencional. É
um planejamento da economia
real. Aqui no banco nós perdemos muito a prática de fazer esses
exercícios, e agora estamos recuperando essa capacidade.
Folha - O governo não pode retomar essa tradição?
Lessa - Pode, e está retomando.
O governo é sempre um apagador
de incêndios, um definidor de sonhos, um facilitador de certas
questões. As tarefas são muito
grandes. O Ministério do Desenvolvimento avançou muito. Hoje,
há competência dentro do ministério para conversar sobre diversas questões relevantes da indústria. A própria idéia de política industrial tinha sido expurgada do
dicionário e foi recuperada.
Folha - O crescimento do Brasil é
para valer ou é um vôo da galinha?
Lessa - Quero crer que seja para
valer. Atuo como sendo para valer. O Brasil precisa crescer -e a
taxas maiores de 3,5%. Sou de
uma geração que viu o país crescer, sem parar, a taxas de 7% ao
ano. O Brasil precisa crescer acima de 5% pelo menos, e consistentemente. Temos uma fatura
social colossal para resgatar. O
número de empregos que temos
de criar é gigantesco, mas, ao
mesmo tempo, temos restrições
externas. Temos de fazer crescer
as exportações, temos de descomprimir a infra-estrutura para levar
as exportações à frente.
Folha - O crescimento pode ser
sustentável?
Lessa - Pode ser sustentável, sim,
mas vai necessitar que as empresas invistam muito mais no setor
produtivo, e o governo tem de se
movimentar nessa direção. A sustentabilidade do crescimento brasileiro passa estrategicamente pela taxa de investimento. A taxa de
investimento tem dois componentes. Um é o investimento público; o outro, o investimento privado. O investimento público é
fortemente afetado pela necessidade de gerar superávit fiscal
muito grande. Com o superávit
fiscal, você reduz o investimento
público. E o investimento privado
passa por dois julgamentos. Um é
a projeção de mercado futuro; o
outro, a taxa de juros. É por isso
que quero tanto reduzir a TJLP
[Taxa de Juros de Longo Prazo].
Estaria emitindo um sinal favorável ao investimento privado.
Folha - O sr. defende a redução da
TJLP. Por que ela não cai?
Lessa - Continuo achando que a
TJLP deve cair para 8% ao ano.
Todos os empresários brasileiros
são favoráveis a isso. Não cabe a
mim saber por que a TJLP não cai.
Pergunte aos homens do Conselho Monetário Nacional. A TJLP
não tem nada a ver com política
de curto prazo. É um algoritmo
que rege contratos de longo prazo. Na verdade, rege basicamente
duas coisas. A remuneração do
FAT [Fundo de Amparo ao Trabalhador], que alimenta basicamente o seguro-desemprego e rege os contratos do BNDES. Devemos ter cerca de 430 mil contratos, dos quais mais de 400 mil estão atrelados à TJLP.
Folha - O que o sr. acha do aumento da meta do superávit primário?
Lessa - Acho que nós já estamos
fazendo um esforço gigantesco.
Folha - O aumento foi desnecessário?
Lessa - Não posso opinar se precisava ou não precisava. Se fosse o
ministro do Planejamento e tivesse em mãos todo o Orçamento,
poderia dar essa opinião. Não
quero dar opinião na condição de
presidente do BNDES.
Folha - O aumento da meta de superávit diminui os investimentos
em infra-estrutura?
Lessa - A não ser que a arrecadação [tributária] aumente. Nesse
caso, você esteriliza o aumento da
arrecadação. O problema é que
você agora não está esterilizando.
O superávit fiscal não permanece
"entesourado". Ele é revertido a todos os donos da dívida pública,
sob a forma de remuneração desses títulos. Se os recursos que são
transferidos aos detentores da dívida pública fossem orientados
para o investimento, você teria
um caminho diferente, com grande oferta de fundos para financiar
o investimento privado.
Folha - E como se faz isso?
Lessa - Olhando a história econômica das nações. Se você olhar
a dos Estados Unidos, por exemplo, verá que eles não fizeram nada disso. Os EUA praticam uma
expansão brutal do gasto público,
têm um orçamento militar que é
20 vezes maior do que a soma dos
outros nove orçamentos militares
subseqüentes e mantêm a economia a todo o vapor.
Folha - O Brasil tem medo de adotar essa política?
Lessa - Todo e qualquer administrador público vive dois problemas nesse cenário mundial. O
primeiro é que o país precisa ter
capacidade para fazer a rolagem
de sua dívida externa. Com o superávit comercial, você honra o
serviço da dívida externa, mas o
principal você tem de rolar. Se
houver qualquer veto à política
econômica do país, a rolagem pára. Se parar a rolagem, você pode
ir para uma crise cambial. Há
sempre a preocupação em manter
boas condições de renegociação
externa. O segundo fator de preocupação de qualquer gestor de
política econômica é a taxa de inflação. Em um país que teve altas
taxas de inflação, essa preocupação é perfeitamente compreensível. Ressurgir a ameaça inflacionária inquieta o gestor.
Folha - Qual o passo a ser dado?
Lessa - É realizar uma política de
redução lenta e gradual dos juros
e uma convocação da sociedade
para estar mobilizada contra o fenômeno inflacionário.
Folha - A idéia do acordo coletivo?
Lessa - Tenho defendido isso há
muito tempo. Acho uma excelente idéia e não vejo nenhum problema da sociedade em discutir
isso. Sei que não é fácil implementar, mas acho que é uma discussão
muito saudável. Acho que o Luiz
Marinho [presidente da CUT] fez
uma proposta interessante. A sociedade vai discutir política de
rendas mais cedo ou mais tarde.
Folha - Recentemente, o ministro
Luiz Fernando Furlan, do Desenvolvimento, disse que o BNDES era
lento na aprovação dos projetos.
Há mesmo lentidão?
Lessa - Estou preparando uma
carta ao presidente Lula para
prestar esclarecimentos a respeito
do prazo dos bancos. O prazo limite do banco para aprovar as
operações, se a empresa chegar
com todas as informações e certidões, é de 210 dias. Ou seja, para
ter o contrato assinado e o dinheiro liberado. Na maior parte das
vezes, o balanço das empresas
não está adequadamente auditado, falta certidão. E agora ainda
tem a greve do Judiciário.
Folha - O sr. tem reclamado da
falta de grandes projetos...
Lessa - As pequenas e médias
empresas têm vindo ao BNDES
buscar recursos de forma significativa. Meu problema está nas
grandes empresas. Poucos projetos grandes entraram no BNDES.
A sustentabilidade da pequena e
média empresa exige que a grande retome a expansão. As pequenas e médias sozinhas não fazem
verão. O verão exige as grandes.
Folha - Sua relação com o ministro Furlan melhorou?
Lessa - Minha relação com o ministro Furlan nunca foi ruim. Foi
uma relação estranha por uma razão muito simples: não o conheço. Conheço o mundo acadêmico,
o mundo político, mas o mundo
empresarial eu não conhecia.
Agora conheço. Quando perguntaram se eu conhecia o ministro, e
eu disse que não, a imprensa criou
um estressamento. Depois, objetivamente, o ministro não sabia
que eu tinha sido escolhido pelo
presidente por uma carta aberta.
A partir daí criou-se um clima
horroroso. De alguma maneira,
houve uma grande frustração em
São Paulo pelo fato de o presidente do BNDES não ter saído por
uma indicação direta do ministro.
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