São Paulo, domingo, 26 de setembro de 2004

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NEODESENVOLVIMENTISMO

Para presidente do BNDES, expansão sustentável depende do setor produtivo, mas meta fiscal atrapalha

País só crescerá com investimento, diz Lessa

GUILHERME BARROS
EDITOR DO PAINEL S.A.

O presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), Carlos Lessa, 67, acha que o Brasil precisa e tem condições para crescer a taxas acima de 5% ao ano, e de forma consistente. Para isso, Lessa diz que o Brasil deve dar partida a uma política neodesenvolvimentista com ênfase na retomada dos investimentos.
Entre outras idéias, Lessa apóia a proposta apresentada na semana passada na Folha pelo empresário Antônio Ermírio de Moraes, segundo a qual o governo deve liderar esse novo processo de desenvolvimento da economia para fazer com que os empresários voltem a investir. "Quando o governo define com clareza uma frente de expansão, sempre vêm respostas", diz Lessa.
Ele voltou a defender a redução gradual dos juros, discordou sutilmente do aumento da meta de superávit primário (de 4,25% para 4,50% do PIB neste ano) e ainda falou de sua relação com o ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan.
A seguir, a entrevista concedida por Lessa na quinta-feira, em seu gabinete, no Rio de Janeiro.
 

Folha - Na semana passada, o empresário Antônio Ermírio de Moraes propôs uma nova onda desenvolvimentista no país, com o governo liderando o processo. O que o sr. acha da idéia?
Carlos Lessa -
O Antônio Ermírio [de Moraes] é, sem dúvida nenhuma, um empresário de muito sucesso, e o que ele fez foi lembrar uma coisa que é absolutamente verdadeira. Os empresários estruturam suas decisões procurando coordená-las com as propostas globais para a sociedade como um todo, principalmente aquele empresário que tem audácia. Isso porque ele tem de ir além da configuração do horizonte imediato. Quando o governo define com clareza uma frente de expansão, sempre vêm respostas. O que o Antônio Ermírio chamou a atenção é que planos -como o Plano de Metas do governo JK- fixam com clareza alvos que a politica pública pretende alcançar a médio e longo prazos. É uma tarefa típica de planejamento, mas não é um planejamento no sentido macroeconômico convencional. É um planejamento da economia real. Aqui no banco nós perdemos muito a prática de fazer esses exercícios, e agora estamos recuperando essa capacidade.

Folha - O governo não pode retomar essa tradição?
Lessa -
Pode, e está retomando. O governo é sempre um apagador de incêndios, um definidor de sonhos, um facilitador de certas questões. As tarefas são muito grandes. O Ministério do Desenvolvimento avançou muito. Hoje, há competência dentro do ministério para conversar sobre diversas questões relevantes da indústria. A própria idéia de política industrial tinha sido expurgada do dicionário e foi recuperada.

Folha - O crescimento do Brasil é para valer ou é um vôo da galinha?
Lessa -
Quero crer que seja para valer. Atuo como sendo para valer. O Brasil precisa crescer -e a taxas maiores de 3,5%. Sou de uma geração que viu o país crescer, sem parar, a taxas de 7% ao ano. O Brasil precisa crescer acima de 5% pelo menos, e consistentemente. Temos uma fatura social colossal para resgatar. O número de empregos que temos de criar é gigantesco, mas, ao mesmo tempo, temos restrições externas. Temos de fazer crescer as exportações, temos de descomprimir a infra-estrutura para levar as exportações à frente.

Folha - O crescimento pode ser sustentável?
Lessa -
Pode ser sustentável, sim, mas vai necessitar que as empresas invistam muito mais no setor produtivo, e o governo tem de se movimentar nessa direção. A sustentabilidade do crescimento brasileiro passa estrategicamente pela taxa de investimento. A taxa de investimento tem dois componentes. Um é o investimento público; o outro, o investimento privado. O investimento público é fortemente afetado pela necessidade de gerar superávit fiscal muito grande. Com o superávit fiscal, você reduz o investimento público. E o investimento privado passa por dois julgamentos. Um é a projeção de mercado futuro; o outro, a taxa de juros. É por isso que quero tanto reduzir a TJLP [Taxa de Juros de Longo Prazo]. Estaria emitindo um sinal favorável ao investimento privado.

Folha - O sr. defende a redução da TJLP. Por que ela não cai?
Lessa -
Continuo achando que a TJLP deve cair para 8% ao ano. Todos os empresários brasileiros são favoráveis a isso. Não cabe a mim saber por que a TJLP não cai. Pergunte aos homens do Conselho Monetário Nacional. A TJLP não tem nada a ver com política de curto prazo. É um algoritmo que rege contratos de longo prazo. Na verdade, rege basicamente duas coisas. A remuneração do FAT [Fundo de Amparo ao Trabalhador], que alimenta basicamente o seguro-desemprego e rege os contratos do BNDES. Devemos ter cerca de 430 mil contratos, dos quais mais de 400 mil estão atrelados à TJLP.

Folha - O que o sr. acha do aumento da meta do superávit primário?
Lessa -
Acho que nós já estamos fazendo um esforço gigantesco.

Folha - O aumento foi desnecessário?
Lessa -
Não posso opinar se precisava ou não precisava. Se fosse o ministro do Planejamento e tivesse em mãos todo o Orçamento, poderia dar essa opinião. Não quero dar opinião na condição de presidente do BNDES.

Folha - O aumento da meta de superávit diminui os investimentos em infra-estrutura?
Lessa -
A não ser que a arrecadação [tributária] aumente. Nesse caso, você esteriliza o aumento da arrecadação. O problema é que você agora não está esterilizando. O superávit fiscal não permanece "entesourado". Ele é revertido a todos os donos da dívida pública, sob a forma de remuneração desses títulos. Se os recursos que são transferidos aos detentores da dívida pública fossem orientados para o investimento, você teria um caminho diferente, com grande oferta de fundos para financiar o investimento privado.

Folha - E como se faz isso?
Lessa -
Olhando a história econômica das nações. Se você olhar a dos Estados Unidos, por exemplo, verá que eles não fizeram nada disso. Os EUA praticam uma expansão brutal do gasto público, têm um orçamento militar que é 20 vezes maior do que a soma dos outros nove orçamentos militares subseqüentes e mantêm a economia a todo o vapor.

Folha - O Brasil tem medo de adotar essa política?
Lessa -
Todo e qualquer administrador público vive dois problemas nesse cenário mundial. O primeiro é que o país precisa ter capacidade para fazer a rolagem de sua dívida externa. Com o superávit comercial, você honra o serviço da dívida externa, mas o principal você tem de rolar. Se houver qualquer veto à política econômica do país, a rolagem pára. Se parar a rolagem, você pode ir para uma crise cambial. Há sempre a preocupação em manter boas condições de renegociação externa. O segundo fator de preocupação de qualquer gestor de política econômica é a taxa de inflação. Em um país que teve altas taxas de inflação, essa preocupação é perfeitamente compreensível. Ressurgir a ameaça inflacionária inquieta o gestor.

Folha - Qual o passo a ser dado?
Lessa -
É realizar uma política de redução lenta e gradual dos juros e uma convocação da sociedade para estar mobilizada contra o fenômeno inflacionário.

Folha - A idéia do acordo coletivo?
Lessa -
Tenho defendido isso há muito tempo. Acho uma excelente idéia e não vejo nenhum problema da sociedade em discutir isso. Sei que não é fácil implementar, mas acho que é uma discussão muito saudável. Acho que o Luiz Marinho [presidente da CUT] fez uma proposta interessante. A sociedade vai discutir política de rendas mais cedo ou mais tarde.

Folha - Recentemente, o ministro Luiz Fernando Furlan, do Desenvolvimento, disse que o BNDES era lento na aprovação dos projetos. Há mesmo lentidão?
Lessa -
Estou preparando uma carta ao presidente Lula para prestar esclarecimentos a respeito do prazo dos bancos. O prazo limite do banco para aprovar as operações, se a empresa chegar com todas as informações e certidões, é de 210 dias. Ou seja, para ter o contrato assinado e o dinheiro liberado. Na maior parte das vezes, o balanço das empresas não está adequadamente auditado, falta certidão. E agora ainda tem a greve do Judiciário.

Folha - O sr. tem reclamado da falta de grandes projetos...
Lessa -
As pequenas e médias empresas têm vindo ao BNDES buscar recursos de forma significativa. Meu problema está nas grandes empresas. Poucos projetos grandes entraram no BNDES. A sustentabilidade da pequena e média empresa exige que a grande retome a expansão. As pequenas e médias sozinhas não fazem verão. O verão exige as grandes.

Folha - Sua relação com o ministro Furlan melhorou?
Lessa -
Minha relação com o ministro Furlan nunca foi ruim. Foi uma relação estranha por uma razão muito simples: não o conheço. Conheço o mundo acadêmico, o mundo político, mas o mundo empresarial eu não conhecia. Agora conheço. Quando perguntaram se eu conhecia o ministro, e eu disse que não, a imprensa criou um estressamento. Depois, objetivamente, o ministro não sabia que eu tinha sido escolhido pelo presidente por uma carta aberta. A partir daí criou-se um clima horroroso. De alguma maneira, houve uma grande frustração em São Paulo pelo fato de o presidente do BNDES não ter saído por uma indicação direta do ministro.


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