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CONCORRÊNCIA
Com instrumento que beneficia quem fornecer informações, ex-membro diz que empresas combinavam licitações
Ex-integrante denuncia suposto cartel no RS
ANDRÉ SOLIANI
JULIANNA SOFIA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Pela primeira vez no país, um
integrante de um suposto cartel
denunciou a autoridades públicas
detalhes de um esquema montado por um grupo de empresas, do
qual já fez parte, para fraudar licitações, combinar preços e subornar funcionários públicos.
O suposto cartel foi arquitetado
por 18 empresas de segurança privada do Rio Grande do Sul, segundo informações fornecidas
pelos delatores do conluio ao secretário de Direito Econômico,
Daniel Goldberg. Há evidências
de que a atuação do grupo tenha
ramificações em outros Estados.
A Folha teve acesso a um resumo das principais acusações contra os empresários, baseadas em
fitas de vídeo e de áudio, documentos e declarações repassadas
pelo empresário do setor Rubem
Baz Oreli e por seu funcionário
Alexandre Luzardo da Silva.
Oreli está protegido de qualquer
sanção legal, pois assinou um
acordo de leniência com Goldberg e os Ministérios Públicos Estadual e Federal. Esse instrumento legal, criado em 2000 no país
por meio de lei federal, beneficia
com redução ou até isenção de
punições quem identificar e fornecer informações e documentos
que comprovem a infração.
Também é requisito que a pessoa envolvida na violação tenha
sido a primeira a se qualificar para
o acordo e que colabore até o fim
das investigações.
O mecanismo até hoje não havia sido usado no país. Luzardo
não teria participado do cartel.
"Foi graças ao acordo de leniência que obtivemos as informações
necessárias para abrir esse processo", disse Goldberg. Ele afirmou apostar que o primeiro caso
de um suposto cartel denunciado
por um integrante do próprio esquema será um divisor de águas
no combate aos crimes contra a
ordem econômica.
Nos Estados Unidos, que começaram a usar com frequência
acordos do gênero a partir de
1997, há 40 casos de cartel que
aguardam julgamento. Desses, 20
começaram graças a informações
de integrantes do conluio.
Apreensão
O cartel, de acordo com a denúncia, se reunia toda segunda-feira para decidir as empresas do
grupo que ganhariam as licitações
e quais seriam os preços apresentados nas concorrências.
Consta no processo que os empresários discutiam até "subornos a servidores públicos encarregados da elaboração do edital"
nos encontros de segunda-feira,
que aconteciam na sede da Assevirgs (Associação dos Vigilantes
do Rio Grande do Sul).
"O governo federal, aparentemente, foi uma de suas vítimas",
disse Goldberg sobre as principais
acusações contra o grupo.
O governo acredita ter reunido
indícios de que Edgar Rolim, dono da Rota Sul, maior empresa do
setor na região, chefia o cartel.
A SDE (Secretaria de Direito
Econômico), as polícias Federal,
Civil e Militar e membros do Ministério Público do Estado realizaram, em conjunto, operação de
busca e apreensão de documentos e computadores numa casa
usada pela empresa para guardar
documentos, em Porto Alegre, na
quinta-feira. A força-tarefa vasculhou ainda locais que pertencem
aos donos de 4 das 18 empresas e 2
sindicatos.
A megaoperação, sigilosa, envolveu cerca de 70 pessoas. Os estabelecimentos foram invadidos
no mesmo horário para evitar que
uma empresa pudesse avisar a
outra. O objetivo era evitar a destruição de documentos.
A Seae (Secretaria de Acompanhamento Econômico) já analisou 14 licitações que a Rota Sul ganhou para prestar serviços a órgãos do Ministério da Fazenda no
Rio Grande do Sul. Há suspeitas
de fraudes em quase todas.
As supostas irregularidades
coincidem com as descrições de
Orelli e Luzardo sobre a forma de
atuação do grupo. Em 13 das 14
concorrências, empresas foram
desclassificadas por apresentar
preços acima do permitido pelo
edital -sinal de que teriam entregue propostas sem a intenção de
ganhar o contrato.
Em nenhuma das propostas de
habilitação havia representante
credenciado de outra empresa
além da Rota Sul.
"Embora tenham ocorrido 15
inabilitações nas licitações, não
houve sequer um recurso apresentado por empresa declarada
inabilitada", diz o relatório da
Seae. Quando existe concorrência, as empresas inabilitadas para
o processo de escolha normalmente recorrem da decisão.
Como existem cerca de 60 empresas de vigilância no Rio Grande do Sul e só 18 fazem parte do
suposto cartel, havia um esquema
para impedir a concorrência dos
que não estavam no conluio, de
acordo com as acusações.
Advogados, por exemplo, seriam contratados para negociar
com os elaboradores dos editais a
inclusão de requisitos adicionais
para impedir a entrada de empresas de fora do grupo.
O processo administrativo contra os integrantes do suposto cartel deverá ser publicado amanhã
no "Diário Oficial" da União.
O Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) julgará o caso com base nas informações e pareceres da SDE e da Seae
assim que os receber. Se consideradas culpadas, as empresas podem pagar multa de 1% a 30% do
faturamento bruto do ano passado, além de sofrer outras penas.
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