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HISTÓRIAS REAIS
Real não existiria sem Itamar, diz Ricupero
MARCIO AITH
EDITOR DE DINHEIRO
Pode-se dizer que o embaixador
Rubens Ricupero, 67, foi o primeiro ministro da Fazenda do
real. Ingressou no cargo em maio
de 1994, quando FHC desincompatibilizou-se para ser candidato
à Presidência. Comandou a aprovação do plano no Congresso e o
lançamento da moeda, no dia 1º
de julho de 1994. Deixou o cargo
em setembro, depois de uma conversa informal sua com o jornalista Carlos Monforte, da Rede Globo, ter sido captada por telespectadores com antenas parabólicas.
Com relação ao episódio, Ricupero disse à Folha ter sido vítima
de seu próprio envaidecimento e
que o fato serviu para colocá-lo
"de volta à terra". Quanto ao Real,
creditou a paternidade política ao
presidente Itamar Franco. Leia a
seguir trechos da entrevista.
Folha - De quem é
o mérito do sucesso do Plano Real?
Rubens Ricupero
- Tecnicamente,
de Fernando Henrique Cardoso e de
sua equipe, que eu
admiro e com
quem trabalhei ao
assumir o cargo.
Politicamente, de
Itamar Franco.
Sem Itamar, não
teria havido real,
não teria havido
FHC, não teria havido equipe, não
teria havido nada.
As pessoas não valorizam adequadamente o papel
de Itamar.
Folha - O que FHC
lhe disse ao lhe
transferir o cargo,
em abril de 1994?
Ricupero - Conversamos rapidamente. Ele elogiou muito Gustavo Franco, com
o qual disse estar impressionado.
Foi também no curso dessa conversa que descobri, com uma certa surpresa, que não havia propriamente uma estratégia para
aprovar a medida provisória do
plano no Congresso nem uma data para a introdução da nova
moeda. Notava-se, sobretudo entre aqueles que haviam tido a experiência do Plano Cruzado, que
a preocupação com o fracasso era
muito grande. Eram economistas
que viam com lucidez que as condições de ajuste fiscal ainda não
estavam dadas na economia para
o lançamento da moeda. Fixamos
o prazo de três meses.
Folha - De quem o sr. recebia as
maiores pressões: de FHC ou do
presidente Itamar Franco?
Ricupero - Em relação a Fernando Henrique, nunca tive interferência direta. É possível, imagino
até que fosse provável, que ele
continuasse a manter relações
com os membros da equipe. Comigo elas foram muito raras. Em
relação ao presidente Itamar,
ocorreram vários episódios que
tinham a ver, primeiro, com reajuste de funcionários civis e militares. O presidente tinha uma tendência de querer conceder reajustes que teriam criado dificuldades
fiscais e que teriam que ser estendidos aos civis. Quando faltavam
horas para o lançamento do Real,
devido a propostas que tinham
vindo de pessoas que cercavam o
presidente e que desvirtuariam
muito o plano, eu estava intimamente disposto a pedir demissão.
Havia membros da equipe que
volta e meia ameaçavam deixar
seus cargos. Os menos permeáveis a problemas sociais na equipe
não se davam conta dos limites
políticos. Do lado da Presidência,
havia sensibilidade social, mas
pouco rigor econômico. Os técnicos tinham rigor econômico, mas
pouca sensibilidade social.
Folha - Itamar era uma ameaça
ao plano ou o pai do plano?
Ricupero - Itamar nem sempre
estava errado. Ele estava certo -e
eu, errado- ao impedir, naquela
época, uma composição excessivamente técnica do Conselho
Monetário Nacional. Se fosse por
Itamar, o Copom [Comitê de Política Monetária do BC] hoje não
seria composto apenas por técnicos sem sensibilidade social.
Folha - Havia
atritos na equipe?
Ricupero - Houve um episódio
curioso envolvendo o Francisco
Lopes [presidente
do BC em 1999], a
quem fui induzido a convidar por
Pedro Malan. Tive
que desconvidá-lo
depois. Não sabia
que havia um problema entre Lopes
e Gustavo Franco.
O Chico não falava com Gustavo,
mas você teria que
perguntar a eles a
razão. Eu ingenuamente tinha
ido ao Rio e caí na
asneira de pedir a
Gustavo Franco
que fosse o intérprete do meu convite. Horas depois, Sergio Amaral, que era meu
braço direito, telefona-me desesperadamente perguntando o que
eu havia dito a Gustavo porque ele
ameaça sair. Só aí descobri que
havia um problema.
Folha - Como era a discussão com
relação ao modelo cambial?
Ricupero - Em que pese essa admiração que eu tenho pela equipe, havia diferenças. Todos tinham uma posição mais confiante nos poderes do mercado. Nunca fui um economista e não tenho
pretensões nesse sentido, mas
sempre tive uma visão que considera o mercado como um instrumento útil, mas limitado. Eles
acreditam mais na globalização financeira. Também existia uma
diferença em relação à taxa de
câmbio. Desde o início me inquietou a valorização do real, porque
eu vinha da área de comércio exterior.
Folha - Como o sr. reflete o episódio da parabólica, que abreviou
sua passagem pelo governo?
Ricupero - Ninguém me obrigou
a dizer aquelas tolices. Acho que
foi um pouco aquilo que o Monteiro Lobato diz: a torneirinha das
asneiras da Emília. Fui eu quem a
abri, não é? Estava muito vulnerável naquele dia, tinha dado mais
de 20 entrevistas, estava cansado.
Mas devo admitir que fui vítima
de meu próprio envaidecimento.
O episódio serviu para me colocar
de volta à terra.
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