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Reajuste automático para preços administrados está vivo e assusta
MAURO ZAFALON
DA REDAÇÃO
Um dos principais objetivos do
Plano Real era interromper o sistema de correção monetária,
enraizado em todos os setores da
economia. E isso foi conseguido.
A correção monetária era um forte realimentador da inflação que,
a cada ano, mudava de patamar.
Um setor, porém, continua com
direito garantido ao repasse da inflação passada: o dos preços administrados. E os números da inflação nos dez anos do Real mostram a distância dos reajustes entre esse setor e o dos preços livres.
Os serviços de utilidade pública
-onde se concentram energia
elétrica, água e esgoto, gás e impostos, por exemplo-, tiveram
aumento de 255% de julho de
1994 a maio deste ano. A liderança
entre os reajustes (611%) fica para
as contas de telefone fixo.
Mas há o outro lado da moeda.
Nesse mesmo período, o setor de
vestuário conseguiu repassar apenas 10% de aumento, em média,
para os consumidores. Os vestidos femininos lideram, com queda nominal de 34%. A inflação
média do período foi de 143%.
Heron do Carmo, coordenador
do Índice de Preços ao Consumidor da Fipe (Fundação Instituto
de Pesquisas Econômicas) do início do Real até dezembro último,
diz que o grande mérito do plano
foi manter a taxa de inflação abaixo de 10% ao ano em praticamente todos esses dez anos.
Nos períodos de inflação elevada, os preços chegaram a subir
84% ao mês, em março de 90
-média de 2% ao dia. Ou seja,
um pãozinho começava o dia
com o valor, por exemplo, de 10
na unidade monetária do período
e terminava a 10,20.
Com o Real, as empresas ficaram sem o controle do governo,
como o CIP (Controle Interministerial de Preços) nos anos 70 e 80,
e passaram a ser responsáveis pelas próprias políticas de remarcações. "Uma tarefa difícil e importante, porque não podem errar na
dose", segundo Heron.
Fernando Exel, presidente da
Economática, destaca, no entanto, que as empresas perderam
margens. Preços administrados,
liberação do câmbio e aumentos
das commodities no mercado externo afetaram os custos das empresas de forma heterogênea nos
diversos setores da economia.
"Os empresários queriam repassar esses custos, mas o mercado interno não assimilou porque
não tinha renda", acrescenta.
O Real afetou também as contas
dos governos, que se tornaram
mais transparentes. Erros ou escândalos não podem mais ser escondidos e apagados pela inflação
galopante porque a moeda passou a ser estável, segundo Heron.
Peso dos serviços
A estabilidade econômica deu
maior poder de renda aos consumidores no início do Real, o que
permitiu forte reajuste nos preços
dos serviços, segundo Heron.
O aluguel, favorecido também
por mudanças na Lei do Inquilinato (com a "denúncia vazia", o
proprietário pode retomar o imóvel ao final do contrato, mesmo
que não precise dele para morar),
foi o campeão de aumentos do
primeiro ano do Real, com alta de
210%. Os serviços domésticos vieram a seguir, com 75%. A inflação
média foi de 32,3% no período.
A estabilidade dos preços nos
primeiros anos do Real foi sustentada por alimentos e preços livres.
Chamados de "âncora verde", os
produtos agrícolas começaram a
ter aumentos abaixo da inflação já
no segundo ano do plano.
No terceiro ano, alimentos industrializados e produtos de higiene também começavam a
mostrar deflação. Na avaliação de
Heron, a estabilidade dos preços e
o fim da desindexação da economia se tornam mais evidentes a
partir de 1996 e 1997.
Em 1999, a forte desvalorização
cambial volta a afetar os preços, e
o IPC da Fipe sai de deflação de
0,50% no quinto ano do Real (julho de 98 a junho de 99) para uma
inflação de 6,9% no sexto ano.
O Real deu estabilidade aos preços, mas desestruturou parte da
economia. Heron diz que o foco
ficou centrado na queda da inflação, o que se conseguiu, mas com
pesados custos para a sociedade.
"Olhando para trás, não sei se
valeu a pena esse sacrifício para
reeleger Fernando Henrique Cardoso, em 98." Para o economista,
houve o controle da inflação, mas
a dívida pública disparou e o PIB
teve crescimento muito pequeno.
O mesmo erro do início do Real
se comete agora, no governo Lula,
diz Heron. "Voltou-se o foco apenas para a inflação, desprezando
o crescimento. Seria melhor taxas
de inflação um pouco acima das
atuais, mas com crescimento."
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