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HISTÓRIAS REAIS
Falhamos no terreno
fiscal, afirma Franco
DA REPORTAGEM LOCAL
A falta de disciplina fiscal nos
primeiros anos do Plano Real foi
um erro. Manter o câmbio fixo até
o limite do possível, não.
Essa é a análise retrospectiva de
Gustavo Franco, ex-presidente do
Banco Central, que deixou o cargo em janeiro de 1999 sob um coro de críticas, que perduram até
hoje, de que deveria ter desvalorizado a moeda antes.
Franco diz que continua sendo
difícil cortar gastos públicos no
Brasil e descreve o Congresso Nacional como um grupo de 600
"pequenos juscelinos", em referência ao ex-presidente Juscelino
Kubitschek, responsável por
agressivo programa de investimentos públicos.
Leia a seguir trechos de entrevista de Gustavo Franco concedida à Folha.
(ÉRICA FRAGA)
Folha - Como o
senhor foi parar na
equipe do Real?
Gustavo Franco -
Quando o Fernando Henrique virou
ministro da Fazenda, em maio de
93, ele convidou
três pessoas:
Winston Fritsch,
Edmar Bacha e eu.
Havia pessoas
também que não
eram economistas, como o Clóvis
Carvalho.
Folha - O senhor
se opôs à idéia de
convidar o economista Francisco Lopes para integrar a
equipe?
Franco - Digamos que várias
pessoas da equipe
se opuseram.
Quando estava em
vigor a URV (Unidade Real de
Valor), o Chico foi fazer uma
apresentação à equipe e disse que
a URV deveria ficar em vigor por
dois anos. Depois disso, achamos
que ele não estava entendendo
bem o plano.
Folha - Quais foram os principais
erros e acertos do Plano Real?
Franco - Não houve nenhum erro muito sério. Não espere que eu
aponte a política cambial como
um erro porque não foi, senão o
plano não teria dado certo. Acho
que falhamos no terreno fiscal. Só
arrumamos as contas públicas em
99, embora essa tenha sido a primeira promessa que fizemos antes de colocarmos o Real na rua.
Folha - Críticos dizem que vocês
não optaram pela disciplina fiscal
por fins eleitoreiros.
Franco - Isso é uma simplificação indevida, exagerada e mal-intencionada do problema fiscal,
que todo mundo sabe que é uma
pedreira. Foi uma falha nossa,
mas acho que temos um bom álibi. Acabamos conseguindo rapidamente um progresso após a crise da Rússia. A atmosfera de gravidade da crise e a intervenção do
FMI serviram para reduzir muitas
resistências políticas.
Folha - Foi um erro ter segurado
o câmbio fixo por tanto tempo?
Franco - Não fazia sentido, pelo
menos até a crise da Rússia, desvalorizar a moeda. Teria sido uma
burrice tremenda. Eu, muitas vezes, pensei com meu travesseiro
se, em março de 98, quando tínhamos muitas reservas, não deveríamos ter -não flutuado o
câmbio-, mas tirado o teto da
banda. Mas acho que, se o tivéssemos feito, com a crise da Rússia,
podíamos ter enfrentado uma crise cambial. Em retrospecto, não
arriscaria ter feito diferente, não.
Folha - Qual era seu plano na crise da Rússia?
Franco - Meu plano era resistir
ao ataque, esperar passar o pior.
Fomos ao fundo, indo ao fundo,
resolvemos o problema fiscal.
O FMI nos deu um caminhão de
reservas. Eu preferia não ter de fazer a mudança sob pressão. Achava que antes teríamos de subir os
juros. Mas isso era o que o presidente não queria. Isso foi determinante para fazer o que o Chico
[Lopes, então diretor de Política
Monetária do BC, que substituiu
por poucos dias Franco na presidência] propunha. A experiência veio a mostrar
que era essencial
que os juros subissem. Foi a primeira coisa que o
Armínio [Fraga,
ex-presidente do
BC, que sucedeu a
Lopes] fez.
Folha - O que o
senhor acha das
críticas que lhe são
feitas em relação à
política cambial?
Franco - Esse discurso não tem absolutamente pé
nem cabeça. Se estava tudo errado,
como deu certo?
Como estamos
carregando a
moeda criada até
hoje? O PT hoje é
governo e pratica
muitas políticas
nossas que criticou.
Folha - Por que é tão difícil cortar
gastos públicos no Brasil?
Franco - É um problema institucional no sentido amplo. O Brasil
é um país onde reverenciam o
Juscelino [Kubitschek, presidente
entre 1956 e 1961] e o gasto público. Não interessa como se pagarão as contas. Esse é o paradigma
do político bem-sucedido. O Congresso é formado por 600 "pequenos juscelinos". Com essa gente,
vai demorar para resolvermos isso. Acabaremos elegendo outras
pessoas diferentes das de hoje.
Folha - Quais são as perspectivas
de crescimento agora?
Franco - A tarefa de conduzir ao
crescimento é tão complexa como
a tarefa de reduzir a inflação. Vai
levar uma geração ainda.
É preciso construir a capacidade
de crescimento. E não sei se vejo
no governo o diagnóstico correto
para esse processo. É um governo
muito complicado, não tem diagnóstico claro. É dividido, confuso
e, às vezes, esquizofrênico.
Folha - Como assim?
Franco - Vou citar o exemplo das
PPPs (Parcerias Público-Privadas). A PPP é um tentativa de fazer privatização sem o nome. É
querer tentar fazer o investidor
privado investir em infra-estrutura sem ter leilão.
Parece uma tentativa de conciliar o lado esquerdo com o lado
direito do governo. Mas, economicamente, não sei se faz sentido.
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