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LUÍS NASSIF
O caudilho e o banqueiro
João goulart estava na
China quando Jânio Quadros renunciou e deixou o país
no caos. O momento foi estudado, pois havia enorme resistência dos militares a Jango.
Com a ajuda de Ruben Berta,
presidente da Varig, Jango
conseguiu desembarcar em
Porto Alegre, onde seu cunhado Leonel Brizola organizava a
resistência.
O Rio Grande é um Estado
épico por natureza. Mas nenhum episódio contemporâneo
foi mais expressivo do que a
Rede de Legalidade, montada
por Leonel Brizola em 1961 para resistir ao golpe militar.
O próprio Brizola montava a
reação e preparava a costura
política capaz de viabilizar a
posse do cunhado. A costura
passava pela indicação do banqueiro Walther Moreira Salles
para ministro da Fazenda.
Moreira Salles estava em
uma fazenda, perto de Campinas, quando foi procurado por
Ruben Berta com o convite de
Jango e a proposta para seguir
para Porto Alegre, para acertar
os passos da estratégia.
A ida a Porto Alegre foi quase
uma operação de guerra. A Aeronáutica tinha proibido qualquer vôo para o Sul. Para burlar o controle, a Varig preparou um avião cargueiro, supostamente para seguir para o
Nordeste. Quando a noite chegou, três pessoas, entre as quais
Moreira Salles e Ruben Berta,
atravessaram correndo a pista
de Viracopos e pularam no
avião, com os motores já ligados. O avião decolou em direção ao Nordeste, fez meia-volta
e rumou para Porto Alegre.
Chegando a Porto Alegre, o
que o embaixador viu jamais
esqueceria. Longe dele ter afinidade política com Brizola.
Na primeira vez em que foi embaixador brasileiro em Washington, Moreira Salles negociou financiamentos favoráveis com o Bird para obras no
Rio Grande do Sul. Quando retornou, no governo JK, o financiamento estava intocado
(com o país pagando juros) por
resistência de Brizola a receber
recursos do imperialismo.
Mas, no campo da batalha
prestes e começar, Brizola era
um gigante. Era a personalidade de Brizola, sua energia contagiante que incendiava a cidade e preparava a resistência.
A ida de Moreira Salles a
Porto Alegre tinha sido de surpresa. Nem sequer levara mala
e roupa de viagem. Não podia
voltar com seu documento original, sob o risco de ser detido
na alfândega. Coube a Brizola
providenciar uma carteira de
identidade falsa, com a qual
Moreira Salles rumou para
Buenos Aires, voltou por Congonhas e passou incólume, com
a cumplicidade de um funcionário de alfândega que o reconheceu, mas se calou.
A operação viabilizou o parlamentarismo e a posse de Jango.
A personalidade de Brizola
era esmagadora, especialmente sobre Jango, lembrava o embaixador. Depois da queda do
gabinete Tancredo Neves
-para que seus membros pudessem se desincompatibilizar
para as eleições-, seguiu-se a
indicação de Brochado da Rocha, político apagado do Rio
Grande, para primeiro-ministro.
Moreira Salles permaneceu
na Fazenda. Seu último ato foi
uma viagem à França, para renegociar um empréstimo vencido com o Clube de Paris, presidido pelo futuro presidente
francês Valéry Giscard d'Estaing.
Havia um contencioso com o
Brasil. Moreira Salles saiu do
Brasil com a promessa de Jango de que a questão seria resolvida. Atravessou o oceano, de
manhã encontrou-se com Giscard, que lhe lembrou do caso.
Moreira Salles afiançou-lhe ter
a palavra de Jango de que não
tomaria a atitude temida. Giscard devolveu, irônico: "Creio
que o senhor ainda não tenha
tido a oportunidade de ler os
jornais". A informação era a de
que Jango tinha tomado a decisão contrária, influenciado
pelo cunhado. O embaixador
se despediu imediatamente e
voltou para o Brasil. Chegou ao
Rio e pediu demissão.
Essa característica, do político impetuoso, muitas vezes subordinando suas ações a impulsos populistas, marcaria
Brizola por toda a vida. Mas fica também o extraordinário
amor pelo país e a solidariedade pelos mais fracos, de um homem que jamais renegou suas
origens. A conseqüência dos esforços que ele, menino pobre,
empreendeu para se formar o
fez, como governador do Rio
Grande do Sul, promover a primeira grande revolução na
educação do país.
E-mail -
Luisnassif@uol.com.br
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