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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Caminhos e descaminhos do Real
ALOIZIO MERCADANTE
Nos anos 80, o Brasil e a
América Latina viveram as
conseqüências da crise da dívida
externa, com fortes desequilíbrios
no balanço de pagamentos, interrupção dos fluxos de financiamento externo, volatilidade das taxas
de câmbio e um processo de indexação, sob diversas formas, ao dólar, que gerou um quadro de grande instabilidade macroeconômica.
As tentativas de modificar esse
quadro, no marco de um cenário
internacional desfavorável, não tiveram êxito. É somente quando as
condições se alteram -com a renegociação da dívida externa
(Plano Brady), o aumento da liquidez internacional e a consolidação do ciclo de crescimento da
economia norte-americana- que
se viabiliza a implementação de
políticas mais eficazes de controle
da inflação. E isso foi o que efetivamente ocorreu, progressivamente, na quase totalidade dos
países da região.
O Plano Real foi concebido com
base no mesmo padrão dos programas de estabilização e ajuste
aplicados nesse período. A política
econômica fundamentou-se na
articulação entre o aumento acelerado das importações e a absorção de recursos externos. A âncora
cambial foi o eixo da política de
estabilização, associada a uma
política de juros elevados e à compressão da massa salarial.
Na tentativa de alinhar os preços relativos, a política de desindexação, através da URV (Unidade
Real de Valor), na realidade acelerou deliberadamente a inflação,
reduzindo os salários reais, mas
criou condições favoráveis para a
reforma monetária, que se materializou em julho de 1994 com a
criação do real. De lá para cá, três
linhas de política macroeconômica foram aplicadas.
A primeira, no período 1994/98,
que tem importância determinante nos rumos ulteriores da política
macroeconômica, apoiou-se na
sobrevalorização da taxa de câmbio. Seu impacto sobre os preços
internos viabilizou a redução imediata da taxa de inflação, mas
produziu uma verdadeira explosão das importações. Em conseqüência, além dos efeitos desestruturadores sobre a produção nacional, a sobrevalorização cambial
gerou um déficit comercial crescente com o exterior.
A abertura comercial, a sobrevalorização cambial e a política de
atração de capitais externos aumentaram também o saldo negativo da conta de serviços, elevando
o déficit nas transações correntes
do balanço de pagamentos de US$
1,7 bilhão em 1994 para US$ 35,2
bilhões em 1998. Esses déficits e o
encarecimento do crédito interno
-pela elevação da taxa de juros- produziram um rápido crescimento da dívida externa do país,
principalmente do seu componente privado.
Por sua vez, a elevação da taxa
de juros conduziu a uma expansão exponencial do endividamento público. A dívida mobiliária federal em mercado, que era de R$
61,8 bilhões em 1994, saltou para
R$ 323,9 bilhões em dezembro de
1998. Agregue-se que, para suster o
regime de câmbio fixo sobrevalorizado, o governo assumiu parcela
crescente do risco cambial dos tomadores de títulos públicos.
Ou seja, o Plano Real, embora
eficaz como instrumento de estabilização dos preços internos,
agravou a "restrição externa", desorganizando a economia, engessando seu crescimento e reforçando, potencialmente, o foco principal da instabilidade monetária e
fiscal.
O desmoronamento anunciado
dessa política se materializou em
janeiro de 1999. Os efeitos da crise
foram amplificados pela decisão
do governo de manter a aparência
de estabilidade no período pré-eleitoral, apesar da evidente insustentabilidade do regime cambial.
O recurso ao FMI (Fundo Monetário Internacional) e a adoção,
em 1999, do regime de câmbio flutuante e do sistema de metas de
inflação inauguraram uma nova
fase na política macroeconômica,
que se estenderia até 2002. Apesar
da desvalorização cambial, que
estimulou a progressiva redução e
a posterior reversão do déficit comercial, os problemas de fundo gerados no quadriênio anterior continuaram se agravando. A vulnerabilidade da conta de capitais e o
baixo nível de reservas líquidas do
país pouco se modificaram. A situação fiscal piorou apesar do
grande aumento da carga tributária e da política de superávits primários crescentes. A economia
continuou se arrastando, tendo
sua taxa média de crescimento
caído para 2,1% anuais. O desemprego aberto, embora tendo desacelerado seu crescimento, acumulou aumento de 19,3%, e o rendimento real dos assalariados caiu
23%.
O presidente Lula assumiu o governo pressionado pela elevação
da inflação e pelo agravamento da
crise cambial desencadeada em
2002. Implantou um novo padrão
de política cambial e fiscal. Elevou
notavelmente as exportações
-apesar da revalorização do
câmbio-, obtendo superávits comerciais recordes e fazendo reverter o déficit das transações correntes do balanço de pagamentos. Estabilizou a relação dívida/PIB.
Aumentou as reservas internacionais e reduziu o peso dos títulos
cambiais na dívida pública. A inflação estabilizou-se e, após um
período recessivo inicial, a economia retomou o crescimento,
apoiada no dinamismo das exportações, nos efeitos internos do aumento da renda agrícola e na expansão do setor de bens de capital.
O país pagou um custo econômico e social muito alto pela estabilidade. Capitalizar o esforço feito
pressupõe ampliar e sustentar o
processo de crescimento e enfrentar os desequilíbrios sociais existentes, priorizando a geração de
empregos e a universalização progressiva das políticas sociais.
Aloizio Mercadante, 50, é economista e
professor licenciado da PUC e da Unicamp, senador por São Paulo e líder do
governo no Senado Federal.
Internet: www.mercadante.com.br
E-mail -
mercadante@mercadante.com.br
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