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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Cultura e desenvolvimento
ALOIZIO MERCADANTE
O ministro Gilberto Gil referiu-se à cultura como sendo
"a argamassa de nosso novo projeto nacional". Mais do que a beleza
tão particular das palavras desse
excepcional brasileiro, a frase contém uma diretriz para o projeto
cultural de nosso país. Não podemos mais tratar a cultura como
uma área marginalizada do governo, como tantas vezes se fez na
nossa história, ate mesmo recentemente. Para o governo do presidente Lula, a cultura é parte e fundamento do projeto estratégico de
desenvolvimento do Brasil.
Uma proposta de política cultural abrange, dessa perspectiva, três
planos interconectados: a cultura
como formação da identidade nacional e afirmação dos valores pelos quais nos reconhecemos no outro e contribuímos para a construção da história universal; a cultura como meio de inclusão social,
instrumento de extensão da cidadania e de desenvolvimento pleno
das capacidades humanas, exercendo um papel tão relevante, sobretudo com a juventude, por
meio, principalmente, da música
ou do teatro; e, finalmente, a cultura como setor produtivo e gerador de empregos e renda.
Sobre este último aspecto, vale
recordar que a economia da cultura emprega 510 mil pessoas, o que
representa 53% a mais do que a
indústria automobilística. Trata-se de um setor que, além de altamente intensivo em mão-de-obra,
é não-poluente e tem grandes possibilidades de contribuir para a
expansão do mercado interno.
A criação de um programa de
incentivo para a construção de cinemas nas cidades de menor porte
e nas periferias das grandes cidades é um bom exemplo de como a
atividade cultural pode movimentar a economia, gerar empregos
diretos e indiretos e, ao mesmo
tempo, levar manifestações artísticas a localidades que hoje se vêem
privadas do "pleno exercício dos
direitos culturais", previsto no artigo 216 da Constituição. É inadmissível que um país que, 30 anos
atrás, tinha 3.500 salas de cinema,
hoje não possua nem a metade
disso.
Muitas outras iniciativas podem
ser adotadas para apoiar o desenvolvimento cultural do país nas
três dimensões anteriormente citadas. Foi justamente com o propósito de promover uma participação ativa do Congresso nesse esforço que propus a criação de uma
frente suprapartidária -a Frente
Parlamentar de Apoio à Cultura.
Existe uma série de ações que podem, desde já, ser apoiadas por ela
no âmbito da indústria cultural.
Tomemos o cinema como foco
de atenção. O cinema brasileiro
entrou em um ciclo extremamente
rico -seja em quantidade de filmes feitos, em qualidade ou em bilheteria. No entanto ainda não
conseguiu ocupar o espaço merecido nem no mercado nacional nem
no internacional. Nos últimos dois
anos, foram produzidos 76 filmes,
dos quais apenas 30 tiveram a distribuição garantida. Além disso, a
maioria dos filmes exibidos ficou
muito pouco tempo em cartaz. O
prejuízo é evidente tanto no plano
econômico como no da difusão
cultural.
O cinema nacional ocupa hoje
apenas 8% do mercado brasileiro,
sendo que, em 1982, ocupava 36%.
Hoje, os cinemas têm a obrigação
de exibir filmes brasileiros em média por apenas 30 dias ao ano, número que chegou a ser de 140 dias
na década de 80. É necessário mudar essa trajetória e alcançar a
meta de um terço do mercado nacional para os filmes brasileiros. É
importante frisar que os norte-americanos, com uma indústria
cinematográfica muito mais importante do que a nossa, têm um
sistema rigoroso de controle de
mercado, que impede que os filmes estrangeiros representem
mais de 3% do total. Nesse sentido,
é imprescindível que firmemos posição nos fóruns internacionais
para tratar a cultura com excepcionalidade -e não como uma
commodity qualquer, sujeita às
regras comerciais da OMC (Organização Mundial do Comércio).
Outro aspecto central é a distribuição de filmes nacionais. A decadência do cinema nacional durante o período Collor, com a preponderância da visão neoliberal
sobre a cultura, ocorreu exatamente quando, entre outras medidas, se extinguiu a distribuidora
nacional, e aí a participação dos
filmes brasileiros despencou para
0,05% do total. Assim, se desejamos fortalecer nossa indústria cinematográfica, é imprescindível
que discutamos seriamente a criação de uma grande distribuidora
brasileira, de preferência em parceria com o setor privado e, se possível, com atuação no âmbito do
Mercosul.
Também merece ser reforçado o
intercâmbio de filmes com outros
países da América Latina, que tem
tido uma produção cinematográfica fantástica. No entanto a distribuição desses filmes por aqui
costuma ser muito tímida, assim
como a dos filmes nacionais em
países latino-americanos.
Por fim, é preciso que a televisão
brasileira cumpra seu papel no desenvolvimento do cinema nacional. Não é possível que os filmes estrangeiros mantenham a total dominação da programação das
emissoras brasileiras havendo
tanto bons filmes nacionais para
serem mostrados.
O tema dos incentivos à cultura
é controverso. Um exemplo positivo foi o sistema de cotas e de isenção fiscal do ICMS para a música
brasileira (que devemos lutar para
que seja mantido pelos secretários
estaduais de Fazenda), que permitiu que sua participação no mercado nacional saltasse de 35% para 85% em menos de 20 anos.
Mas também há exemplos negativos de empresas, em muitos setores culturais, que se aproveitam da
atual legislação para transformar
atividades de publicidade em projetos culturais pagos com o dinheiro público. Por isso faz-se necessário formular um novo padrão de
financiamento, que democratize e
diversifique o acesso aos recursos.
Outra proposta interessante para
combater esses desvios seria a de
que a Controladoria Geral da
União utilizasse o mecanismo que
tem usado para fiscalizar prefeituras e sorteasse projetos para serem
acompanhados com todo o rigor
necessário.
Em síntese, há um amplo campo
para, por meio de uma ação
abrangente que envolva cinema,
música, produção literária, teatral
e de dança e outras formas de expressão cultural, utilizar a "geléia
geral brasileira" como um instrumento de transformação socioeconômica e de desenvolvimento. E,
se não bastar toda essa argumentação, vale lembrar que cultura
gera prazer, satisfação, sensações
que andam escassas, mas que, em
última análise, são o maior objetivo de uma economia saudável.
Aloizio Mercadante, 49, é economista e
professor licenciado da PUC e da Unicamp, senador por São Paulo, secretário
de Relações Internacionais do Partido
dos Trabalhadores e líder do governo no
Senado Federal.
Internet:
www.mercadante.com.br
E-mail -
mercadante@senador.gov.br
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