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ARTIGO
Muito além da especulação
PAUL KRUGMAN
DO "NEW YORK TIMES"
O CONGRESSO dos EUA
sempre teve um fraco
por "especialistas" que
dizem o que os legisladores desejam ouvir, sejam economistas declarando que cortes de
impostos elevarão a arrecadação ou estudiosos céticos quanto às alterações climáticas que
insistem em que o aquecimento global é um mito.
No momento, o tapete de
boas-vindas está estendido para os analistas que alegam que a
gasolina a mais de US$ 1 por litro é obra de especuladores.
Michael Masters, administrador de um fundo de hedge,
causou grande alarido ao dizer
que a especulação era a principal causa da alta nos preços do
petróleo e outras matérias-primas. Ele apresentou tabelas
que mostravam o crescimento
do mercado futuro, no qual investidores negociam promessas de petróleo para entrega futura, e alegou que "a alta na demanda dos especuladores com
índices" -o termo que ele usa
para designar investidores institucionais- "é quase igual à alta na demanda da China".
Os congressistas gostaram
do que ouviram e, desde que ele
depôs, boa parte do Legislativo
decidiu aderir ao partido do "a
culpa é dos especuladores".
Parece a fé dos conservadores no livre mercado de alguma
maneira desaparece quando o
assunto é petróleo. Por exemplo, a "National Review" vem
publicando artigos nos quais
culpa os especuladores pelos
preços altos do petróleo já há
alguns anos, desde que a cotação ultrapassou a marca dos
US$ 50 por barril.
Lógica política
Por que os políticos estão tão
ávidos por atribuir aos especuladores a culpa pelos preços do
petróleo? Porque isso permite
que eles acreditem que os Estados Unidos não precisarão se
adaptar a um mundo em que a
gasolina é cara.
De fato, Masters garantiu a
um subcomitê da Câmara de
Deputados que um retorno aos
velhos e bons dias do petróleo
barato está ao nosso alcance, e
sem grande dificuldade.
Caso o Congresso aprove leis
que restrinjam a especulação,
ele afirmou, o preço da gasolina
cairia em quase 50% em questão de semanas.
Vamos falar sobre a realidade. A especulação está influenciando os preços altos do petróleo? Não é impensável que esteja. Os economistas estavam
certos por resmungar diante
dos depoimentos de Masters
-adquirir um contrato futuro
de petróleo não reduz diretamente o suprimento de combustível ao consumidor-, mas,
sob determinadas circunstâncias, a especulação no mercado
futuro de petróleo pode elevar
indiretamente os preços, encorajando os produtores e outros
participantes a acumular petróleo em lugar de torná-lo disponível para consumo.
Determinar se isso está acontecendo agora é assunto de
uma disputa altamente técnica.
Basta dizer que alguns economistas, entre os quais me incluo, atribuem muita importância ao fato de que os sinais que usualmente revelam um
boom de preços especulativo
estão ausentes.
Minério de ferro
E quanto àqueles que argumentam que o excesso especulativo é a única maneira de explicar por que os preços do petróleo subiram tão rápido?
Bem, minha resposta é curta:
minério de ferro.
Vejam, o minério de ferro
não é negociado em uma Bolsa
mundial; seu preço é estabelecido por meio de acordos diretos entre produtores e consumidores. Assim, não existe maneira fácil de especular quanto
ao preço do minério de ferro.
Mas, como o do petróleo, ele
disparou no ano passado. Em
especial, o preço que as siderúrgicas chinesas pagam às minas
australianas subiu 96%.
Isso sugere que a crescente
demanda das economias emergentes, e não a especulação, é o
verdadeiro motivo para a alta
nos preços das matérias-primas, petróleo incluído.
A maior parte do ajuste aos
preços mais altos do petróleo
acontecerá por meio da iniciativa privada, mas o governo pode ajudar o setor privado de diversas maneiras, como, por
exemplo, auxiliando o desenvolvimento de tecnologias alternativas de energia e de novos métodos de conservação, e estimulando expansão nos sistemas de transporte coletivo.
Mas não teremos nem o começo de uma política energética racional caso decidamos ouvir pessoas que nos garantem que basta desejar e o preço alto
do petróleo desaparecerá.
PAUL KRUGMAN , economista, é colunista do
"New York Times" e professor na Universidade
Princeton (EUA).
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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