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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS
Crise financeira mundial só acaba após deflação de ativos
GILSON SCHWARTZ
ARTICULISTA DA FOLHA
B astou um trimestre para
que o cenário de recuperação econômica dos EUA virasse
pó. As atenções estão voltadas
para os escândalos contábeis,
mas a origem da crise é outra:
não há mais fontes de crescimento para a economia mundial e a riqueza financeira criada
nos últimos anos precisa agora
ser desvalorizada.
Entre os economistas, a eufórica valorização dos últimos
anos tem um nome: inflação de
ativos. O Fed (banco central dos
EUA), como outros bancos centrais, sempre deu mais atenção à
inflação normal (alta de preços
de bens e serviços).
Banqueiros centrais gostam
de combater a inflação, mesmo
que isso exija a elevação de juros, a redução do crescimento e
o aumento do desemprego. Mas
ficam menos à vontade para
combater a inflação de ativos
(alta nos mercados de ações, por
exemplo). Afinal, a ciranda beneficia a elite financeira.
Apesar das democracias, é
mais fácil desempregar um trabalhador que desiludir um especulador. Mas, no caso dos EUA,
é mais difícil identificar a fronteira, pois a ampla classe média
destina boa parte de sua poupança ao mercado de ações.
O fim dos ciclos de inflação de
ativos (conhecidos como "bolhas especulativas") geralmente
assume a forma de colapsos espetaculares, como uma implosão da riqueza. Foi assim no Japão. É o que se vê agora nos
EUA. O momento em que a bolha estoura coincide com o desaquecimento da economia, a retração dos investimentos e o enxugamento de praticamente todas as formas de crédito.
A frustração atual parece ainda maior porque há um trimestre muita gente ainda apostava
na recuperação da economia
dos EUA. Havia sinais de vigor
no consumo e na produção.
A reação militarista aos ataques terroristas inspirava até a
hipótese de que o Estado voltaria a tirar a economia da recessão, com base nas encomendas
do complexo industrial-militar
e mesmo na convocação de reservistas. Na prática, o que ocorreu no início do ano foi um
aquecimento condicionado pelos ciclos de estoques, fenômeno
de curto prazo.
Estoques baixos levam a reações rápidas das empresas, que
aumentam seus níveis de produção e contratam mais diante
até mesmo de pequenos aumentos de renda e demanda por seus
produtos. Mas esse é um tipo de
crescimento de curto prazo. É
insuficiente como contrapeso à
implosão da riqueza fictícia.
O crescimento de longo prazo
depende da recuperação dos investimentos. Mas eles só voltam
quando há crédito e confiança
nos mercados de capitais.
Ainda não há sinais de que a
economia norte-americana esteja em condições de passar rapidamente de surtos de crescimento de curto prazo para uma
recuperação dos investimentos.
Essa passagem será possível
apenas depois que terminar a
deflação de ativos (desvalorização de patrimônios e contração
dos fluxos de crédito). Mas ninguém sabe quanto terminará essa queima de capital nem de onde virá o estímulo ou a confiança numa nova e longa fase de
crescimento.
No início do ano, poucos se
atreviam a imaginar que a economia dos EUA pudesse voltar a
mergulhar num ciclo recessivo
(esta coluna deu o alerta em
março). Agora, volta com mais
força o cenário conhecido como
"double dip" (duplo mergulho).
Para os mais céticos, o destino
pode ser uma longa depressão.
Comparações entre EUA e Japão também são mais frequentes na imprensa especializada. A
rigor, muitos mergulhos são
possíveis enquanto a inflação de
ativos não estiver superada.
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