|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MUITO ALÉM DO ORÇAMENTO
Funcionários vão parar na lista do SPC por causa de empréstimos contraídos pelo governo
Prefeituras "sujam nome" de servidores
DA REPORTAGEM LOCAL
Em meados de 2002, Maria Elizabeth Evangelista Vieira, 49, entrou em uma loja de Laguna (SC)
para comprar um par de sapatos.
"Recebeu como uma bomba" a
notícia de que não poderia abrir
um crediário porque "estava com
o nome sujo".
"Eu sempre tinha pago minhas
contas em dia", diz ela, que era
prestadora de serviços de limpeza
da prefeitura municipal.
Outros 200 funcionários públicos municipais da pequena cidade tomaram sustos parecidos.
Descobriam que estavam pagando o preço de uma dívida que a
prefeitura não saldou. Só havia
um problema: o empréstimo estava no nome deles, os empregados.
O financiamento foi contraído
em setembro de 2000 com o Besc
(Banco do Estado de Santa Catarina). O objetivo era cobrir a folha
de pagamento atrasada de agosto
e metade do 13º salário. A prefeitura pagou ao banco a primeira
parcela, no valor de R$ 221,5 mil.
Ficou sem caixa e acabou por não
quitar a segunda prestação.
João Gauberto Pereira, então
prefeito da cidade, foi derrotado
na sua tentativa de reeleição. Em
2001, quando assumiu, a nova
gestão identificou irregularidades
no empréstimo e resolveu suspender os pagamentos ao Besc.
Em 2002, o banco incluiu os
funcionários, que alegam que
nem sabiam do empréstimo, nas
listas do SPC (Serviço de Proteção
ao Crédito) e da Serasa (Centralização dos Serviços Bancários).
"A prefeitura usou de má-fé. Para mim, estava recebendo meu salário atrasado. Não sabia que era
um empréstimo", diz Vieira.
Representantes da gestão anterior de Laguna negam.
"A prefeitura não fez empréstimo. Os financiamentos foram assinados pelos funcionários, que,
conscientemente, deram suas folhas de pagamento como garantia", diz Adriano Teixeira Macchi,
ex-assessor jurídico da prefeitura.
Mas, segundo Elizabete Mason
Machado, promotora estadual de
Santa Catarina, o empréstimo era,
sim, da prefeitura: "A prefeitura
contraiu um empréstimo simulado com o Besc e usou o servidor
como intermediário e pagou até
os juros da operação".
A Folha teve acesso a extrato do
Besc que comprova que a Prefeitura de Laguna pagou o equivalente à prestação e aos juros do
empréstimo em novembro de
2001. Existia até uma lei aprovada
pela Câmara de Vereadores em
1999 que autorizava o prefeito a
fazer convênios desse tipo com
bancos e a assumir "os encargos
das operações".
Os funcionários, que conseguiram uma liminar para limpar seus
nomes, processam a prefeitura.
O caso de Laguna é um retrato
quase idêntico do que também
ocorreu em Itapema, outro município de Santa Catarina, só que
um ano antes, em 1999.
Cerca de 600 funcionários foram parar nas listas negras de crédito, em 2002, e só conseguiram
deixá-las por força de uma liminar.
Segundo Magnus Guimarães,
prefeito em 1999, a administração
já não poderia se endividar naquela época por causa da resolução 78 do Senado: "Os bancos
passaram a nos oferecer essa opção de empréstimo com consignação em folha".
Convênios
O governo estadual de Mato
Grosso do Sul também admite
que intermediou empréstimos
nos últimos dois anos para seus
funcionários a fim de quitar salários atrasados:
"O Estado tem restrições para se
endividar. O governo de Mato
Grosso do Sul já é muito endividado. Por isso, recorreu a esses
convênios", diz Redel Furtado,
auditor-geral do Estado.
Segundo José Maria Rodrigues,
presidente do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de
Cuiabá, a quitação da dívida assumida pelos funcionários nem é registrada na folha de pagamento.
"Isso é a prova de que a dívida,
na verdade, é da prefeitura, que
paga diretamente ao banco", diz
ele, ao mostrar seu contracheque.
(ÉRICA FRAGA)
Texto Anterior: Cuiabá usou sistema para pagar oito folhas salariais Próximo Texto: Frases Índice
|