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LUÍS NASSIF
A Escola Sete de Setembro
A parte interna do prédio foi
demolida. Mantiveram a fachada, não sei por quê. Apenas
para lembrar o que o prédio já foi,
a Escola Sete de Setembro da dona Nicolina Bernardes, onde fiz o
primário.
Na parte da frente havia algumas lojas. Nos fundos, a escola,
quatro salas, uma embaixo, três
em cima, uma para cada ano, e o
recreio no quintal pequeno, dividido entre o das meninas e o nosso.
Naqueles tempos, idos dos anos
50, havia duas escolas primárias
principais disputando os meninos
da cidade: a Sete Setembro, da
dona Nicolina, e a da dona Mariazinha. Havia a da dona Nésia
também.
Dona Nicolina era amiga de
meu pai. Acho até que a Farmácia Central teve um período como
inquilino daquele prédio.
Quando entrei na escola, com
seis anos e tanto, a expectativa de
podermos vir a ser alunos da dona Nicolina deixava todos assustados. Foi com alívio que recebemos a notícia de que a vaga de
professora havia sido preenchida
por dona Suzel.
Na primeira semana de aula,
dona Nicolina colocou os alunos,
um a um, para lavar as mãos na
sua frente, na aula de asseio. Na
minha vez abri a torneira, molhei
as mãos, depois fechei a água enquanto ensaboava. Ela me deu
bronca, dizendo que estava considerando a escola dela sovina.
No segundo ano, veio a dona
Remilda Furquim, de uma família que trabalhava nos Correios.
Por alguns meses, sem professora,
dona Nicolina assumiu as aulas.
Ficamos aliviados quando chegou dona Remilda.
No terceiro ano, foi a vez de dona Mara; no quarto, de dona
Neuzinha dos Reis, quase todas
em início de carreira, mas sendo
conduzidas pelo comando disciplinador da dona Nicolina.
Nunca deu uma moleza sequer
para mim. Lembro no segundo
ano, no curto período em que lecionou para a classe, que me deu
nota alta em aplicação e baixa
em comportamento. Fiquei tão
temeroso da reação de meu pai
que tentei falsificar sua assinatura no boletim. Ele descobriu e, aí
sim, ficou uma fera.
De outra feita, no quarto ano
primário, dona Nicolina mandou
um recado na caderneta dizendo
que "Luís continua se distraindo
como um sábio nas aulas". Meus
pais receberam o aviso com um
misto de censura e de orgulho.
Até a formatura, não recebi um
sorriso sequer de dona Nicolina,
um elogio, um dengo, apenas repreensões duras toda vez que
aprontava.
Por isso mesmo foi uma enorme
surpresa a formatura do primário, feita junto com a da escola
David Campista. Pela ordem da
entrega dos diplomas, caberia à
dona Neuzinha entregar o meu.
Dona Nicolina se adiantou, pegou o canudo, fez um baita elogio
público que me deixou estatelado
e me entregou pessoalmente o diploma. Só ali descobri que o ar severo fazia parte do padrão de
educadora de tempos anteriores
ao meu. Por dentro, era uma
manteiga derretida.
Lembrei-me de um aniversário
de sua sobrinha Vivian em que a
aniversariante veio toda admirada para o meu lado, dizendo ter
sabido que eu lera quase toda a
coleção infantil do Monteiro Lobato já no segundo ano. Quem
contou? A dona Nicolina, é claro.
Só quando se rompeu a relação de
educadora e educando, quando
saí das suas asas para entrar no
ginásio, é que a máscara caiu,
deixando transbordar o afeto.
Depois da formatura do primário, acho que conversei com dona
Nicolina uma ou duas vezes. Mas
ela estava sempre na Farmácia
Central, quase em frente à sua escola, se informando sobre seu discípulo.
Na final do Festival de Música
de São João da Boa Vista de 1967,
estavam lá meus pais e tios, os
empregados da Farmácia e dona
Nicolina, acompanhando, torcendo e, depois, vindo me cumprimentar com um sorriso que nunca demonstrou na escola.
Pouco antes de morrer, internou-se na Santa Casa para tratar
de um câncer virulento. Não tive
forças para visitá-la, para dizer-lhe do papel na minha formação.
Acho que nem seria necessário.
Essas vocações de educadora
nunca necessitaram de elogios
maiores. Elas se comprazem apenas em observar o que plantaram
florescer.
E-mail - Luisnassif@uol.com.br
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