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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
O desafio do emprego
LUCIANO COUTINHO
Em visita a catadores de lixo
em São Paulo, às vésperas
deste Natal, o presidente Lula demonstrou com lágrimas sua angústia ante o desafio de criação de
empregos.
O presidente está certo em temer que a reativação da economia não seja por si suficiente para
criar empregos em grande escala.
A lógica maximizadora da rentabilidade das empresas assim o
impõe. Antes de contratar novos
trabalhadores (especialmente em
bases formais, dados os pesados
encargos sobre a folha de pagamentos), os gestores procurarão
fórmulas de aumento da produtividade e recorrerão a mais turnos
de trabalho.
Os números são contundentes!
Considerada essa lógica empresarial e sob as regras atuais, a retomada do crescimento do PIB a taxas próximas a 4% ao ano pode
agregar cerca de 3,8 milhões de
novos empregos e ocupações nos
próximos três anos*. Nesse mesmo período ingressarão na força
de trabalho cerca de 5 milhões de
cidadãos -já considerando-se
nesse cálculo que uma maior eficácia dos programas sociais estabilizará a oferta de trabalho na
faixa etária de 15 a 19 anos e fará
declinar moderadamente a oferta
na faixa de 10 a 14 anos. Em suma, mesmo sob hipóteses razoavelmente otimistas, a criação de
empregos será insuficiente, e isso
se agrega ao atual quadro terrível, em que a população economicamente ativa alcançava no ano
passado 86 milhões de brasileiros
para apenas 78 milhões de postos
de trabalho, incluindo aqueles
sem rendimento!
Se o presidente Lula quiser -e
quer!- romper com o lamentável
imobilismo brasileiro -que
diagnostica, mas não age!- para
se aproximar de sua promessa de
campanha (8 a 10 milhões de novos empregos), terá que fazer o
seu governo se empenhar em políticas dirigidas à criação de empregos. Arrisco-me a apontar, a
seguir, algumas direções.
Primeiro, a reativação da construção civil! Participei recentemente da formulação de um elenco de propostas (5º Construbusiness) para essa cadeia que, reconhecidamente, é a mais poderosa
alavanca de multiplicação de empregos diretos e indiretos (indústrias e serviços associados).
Essa reativação requer várias
iniciativas nas áreas regulatória e
financeira. Desde logo é necessário imprimir maior velocidade à
execução dos programas de habitação social já inscritos no Orçamento de 2004, em parceria com
os municípios e Estados.
Paralelamente, é urgente implantar um conjunto de medidas
para viabilizar o financiamento
imobiliário às classes médias por
meio do suporte de liquidez e de
garantias à securitização dos certificados de recebíveis imobiliários e de outras medidas especificas (como racionalização tributária, adequação e segurança jurídica, solução extrajudicial de litígios, normas e tecnologia etc.).
É grande o potencial de desenvolvimento do financiamento securitizado no Brasil, à semelhança dos sistemas nas economias
avançadas, notadamente nos
EUA. No nosso caso será indispensável que o MF, o BC, a CEF e
o setor bancário reúnam esforços
imediatamente para operacionalizar um modelo adequado à nossa realidade, posto que a redução
previsível da taxa de juros tornará factível a sua implantação.
No que toca à construção infra-estrutural, seja "excusado" sublinhar a urgência da viabilização
da PPP e da instituição de marcos
regulatórios eficientes para o saneamento básico (registre-se a
disponibilidade de R$ 2,9 bilhões
no Orçamento de 2004), energia e
sistemas viários. Se empreendidos
esses avanços institucionais e financeiros, seria possível a criação
adicional de cerca de 2,5 milhões
de novos postos de trabalho no
próximo triênio, considerando toda a cadeia da construção.
Três outras iniciativas são ainda propostas. A aceleração da reforma agrária pode reduzir a
pressão migratória campo-cidade. Uma expansão de programas
bolsa-estágio (1º emprego), em
parceria com o setor privado
(com desoneração de encargos sociais), e o aperfeiçoamento dos
programas de complementação
de renda familiar a famílias pobres, vinculados à manutenção
de crianças e adolescentes nas escolas, podem aliviar a pressão sobre a oferta de trabalho. Finalmente, se sugere a realocação da
base de incidência dos encargos
sobre a folha de pagamento, o que
estimularia a formalização dos
empregos. Isto seria bom para inclusão cidadã (emprego formal) e
para o INSS.
A agenda acima não é fácil,
mas está ao alcance e corresponde
ao sonho do presidente. Se implementada, pode significar mais 7
milhões de novos empregos ou,
com sorte, algo próximo a 8 milhões!
*Estimativa de Francisco Pessoa Faria, da
LCA Consultores, com base em dados
PNAD/IBGE e das Contas Nacionais
Luciano Coutinho, 54, é professor titular do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp). Foi secretário-geral do Ministério da Ciência e
Tecnologia (1985-88).
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