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FOGO AMIGO
Para o presidente do BNDES, gestão do ministro da Fazenda é "necessária, mas não suficiente" para elevar investimentos
Lessa diz não acreditar em apostas de Palocci
Sergio Lima - 29.set.03/Folha Imagem
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Carlos Lessa, que disse não concordar com a aposta na cooperação do investimento estrangeiro |
GUILHERME BARROS
EDITOR DO PAINEL S.A.
Durante o ano, o presidente do
BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social), Carlos Lessa, 67, foi um dos
principais alvos de críticas pelas
decisões polêmicas que tomou à
frente do banco. Seu nome esteve
em quase todas as listas divulgadas pela imprensa, e até hoje nunca confirmadas, de prováveis
substituídos pelo governo na reforma ministerial.
Na semana passada, em meio a
reuniões do conselho de administração do banco, negociações
com a AES para o fechamento do
acordo de renegociação da dívida
e ainda uma festa de fim de ano
dos funcionários do BNDES, Lessa recebeu a Folha para fazer uma
espécie de desabafo sobre sua gestão e sobre sua visão de economia.
Confiante, ele disse que está na
presidência do banco por ter sido
convidado pelo presidente Luiz
Inácio Lula da Silva. "Eu estou
aqui pura e simplesmente porque
o presidente da República me
convidou e, até onde eu posso
perceber, até hoje ele não manifestou em nenhum momento desagrado com as coisas que eu fiz
ou sugeri", afirmou.
Lessa não nega divergências de
opiniões com o ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho, sobre a condução da política macroeconômica. Apesar de considerar Palocci afável e cordial, Lessa diz que não acredita nas apostas que estão sendo feitas pelo governo na política macroeconômica. "O ministro da Fazenda está
fazendo uma política necessária,
mas não suficiente, para empurrar para cima a taxa de investimento da economia", afirmou.
Suas posições divergentes sobre
a condução da política macroeconômica, segundo Lessa, não são
ouvidas pelo primeiro escalão do
governo. "Não faço parte do escalão superior. Eu sou daqueles que
dizem o que pensam com muita
tranquilidade, mas não tenho tido
oportunidade de participar das
grandes discussões", diz.
A seguir, a entrevista:
Folha - Como o sr. define o ano de
2003?
Carlos Lessa - O ano de 2003 foi
muito pesado. O nosso primeiro
grande esforço foi o de recuperar
a organização. A visão de banco
de desenvolvimento ficou muito
esgarçada ao longo dos anos 90. O
BNDES tinha se tornado um típico banco de investimento. Um
banco de investimento é, diga-se
de passagem, uma instituição
muito necessária, muito meritória e muito importante, mas um
banco de desenvolvimento, como
o BNDES, tem outras funções.
Um banco de desenvolvimento
pensa numa visão de futuro para
a economia e procura selecionar
protagonistas que realizem ações
para levar a sociedade em direção
àquele futuro. Um dos argumentos poderosos de um banco de desenvolvimento é exatamente o de
renunciar ao seu lucro para viabilizar esse projeto.
Folha - A que o sr. atribui a saraivada de críticas à sua gestão?
Lessa - Há determinadas críticas
que foram feitas à minha administração que eu respeito. São críticas que nascem de uma visão de
mundo diferente da minha. Como eu sou uma pessoa perfeitamente democrata, aceito posições
contraditórias. Isso é absolutamente legítimo. Agora, houve
uma quantidade enorme de críticas, perfídias, insinuações, acusações infundadas que são impressionantes. A que eu atribuo isso? É
muito difícil fazer acusações. Não
costumo acusar ninguém sem ter
provas, mas creio que devo ter
mexido com fortes interesses de
fora do banco. E, dentro do banco
mesmo, a reestruturação que fizemos gerou uma fração expressiva
de pessoas inconformadas.
Folha - Mas o sr. também teve
atritos com Palocci.
Lessa - Não é questão de atrito.
Eu não tenho nenhum problema
especial com o Palocci. Eu o acho
até uma pessoa muito afável, muito cordial e de trato humano muito agradável. Eu só não concordo
com certas apostas que estão sendo feitas. Uma delas, por exemplo, é a de apostar na cooperação
do investimento estrangeiro. Eu
não acredito que a cooperação estrangeira venha a ser expressiva.
Eu tenho convicção de que o investimento direto do exterior só
ocorre quando a economia está
dinamizada. Não é o capital estrangeiro que dá a partida para a
dinamização da economia. Se o
Brasil voltar a crescer, eu não tenho a menor dúvida de que vamos voltar a ter investimentos
produtivos do exterior.
Folha - Para o sr., a opção de política econômica está errada?
Lessa - O ministro da Fazenda
está fazendo uma política necessária, mas não suficiente, para
empurrar para cima a taxa de investimento da economia. Para
elevar a taxa de investimento, que
é aquilo de que o país precisa para
ter um crescimento sustentável, é
necessária uma articulação das
ações internas da sociedade. E, na
minha visão, o fundamental é tocar para a frente o programa de
infra-estrutura. Para isso, é necessário, em primeiro lugar, que a taxa de juros caia. É necessário também que o PPP seja operacionalizado com competência. O seu
programa de infra-estrutura é
fundamental. Para crescer, os países precisam se articular e, quando são bem-sucedidos, isso atrai o
investimento externo. O investimento de fora, por si só, não faz
nenhum país crescer. Como condição necessária, é evidente que a
taxa de inflação tem que estar baixa, o risco Brasil tem que se reduzir e temos também que ter uma
situação cambial cada vez mais
confortável. Tudo isso é absolutamente correto, mas não é suficiente para a retomada do crescimento. Para crescer é necessário
um esforço adicional. É preciso
dar consequência a decisões que a
Presidência da República já tomou. Quando a Presidência da
República fixou o programa de
infra-estrutura de 2004 a 2007, ela
tomou uma decisão estratégica
para o Brasil crescer. Mas isso
precisa se converter em realidade.
O BNDES está pronto para executar esse programa.
Folha - E como atrair investimentos privados?
Lessa - A taxa de juros tem que
cair mais. Eu diria a você que a
partir de 8% ao ano de juros reais
eu já começaria a ficar animado.
Quanto menor a taxa, mais fácil
vai ser a retomada.
Folha - Não está demorando a
ocorrer essa queda dos juros?
Lessa - Eu não opino sobre política macroeconômica. Eu tenho
que espiar a política macroeconômica e deixar o BNDES preparado para ser o grande instrumento
do desenvolvimento brasileiro. E
ele está pronto para isso. Nós resolvemos os principais esqueletos
do passado. Ainda tem alguns pela frente, como o da Cemig, mas
os principais a gente enfrentou.
Folha - As metas elevadas de superávit primário não são empecilhos para os investimentos?
Lessa - O superávit primário é
um pouco excessivo, mas eu não
vou discutir o superávit primário.
O meu olhar está
concentrado na
taxa de juros. Se a
taxa de juros cair,
a necessidade de
superávit primário também vai
cair muito rapidamente, além de
reanimar decisões
de investimentos
privados. A queda
dos juros também
dará condições de
reorganizar o padrão de financiamento e desenvolvimento da economia. O mercado de capitais poderia voltar a ser
robusto.
Folha - O modelo
que o sr. defende
não poderia trazer
mais inflação?
Lessa - Todo e
qualquer macroeconomista te dirá
que é muito difícil
sustentar o crescimento a longo prazo com preços
estáveis. Há sempre uma sombra
inflacionária que acompanha
uma trajetória de crescimento. Os
preços não têm a mesma flexibilidade para baixo do que numa recomposição para cima, mas essa
trajetória dos preços será subordinada e controlável.
Folha - O sr. tem defendido esse
ponto de vista em suas reuniões
com o governo?
Lessa - Não faço parte do escalão
superior. Eu sou daqueles que dizem o que pensam com muita
tranquilidade, mas não tenho tido
oportunidade de participar das
grandes discussões.
Folha - Qual é sua previsão para
2004?
Lessa - Acho que
2004 vai ser o ano
do crescimento.
Eu acho que vai
ser retomado o
crescimento, sim.
Por uma série de
razões, mas a
principal é que eu
acho que a taxa de
juros vai continuar caindo. Se
podiam ter feito
um pouco mais
rapidamente, podiam.
Folha - Os economistas Maria da
Conceição Tavares
e Celso Furtado o
ajudam a continuar no cargo?
Lessa - Maria da
Conceição Tavares é minha irmã,
nós somos muito
amigos. Conceição fez sondagens
a mim sobre a
possibilidade de
assumir o BNDES
logo depois de Lula ter vencido as
eleições, e eu disse
a ela que queria continuar na universidade. Eu tinha sido eleito reitor da Universidade Federal do
Rio de Janeiro, que é a mais antiga
e mais importante universidade
pública federal do país, com 85%
dos votos dos professores, alunos
e funcionários. Foi uma eleição
inédita na história da universidade brasileira. Eu estava investido
de uma legitimidade completa.
Até que eu fui convidado pelo
presidente Lula em termos que eu
não podia nunca recusar. Não fui
indicado nem por partidos políticos nem por movimentos sociais.
Que a professora Maria da Conceição Tavares e o ministro Celso
Furtado acham que eu sou uma
pessoa qualificada é verdade. Que
eles acham que eu preencheria o
cargo, acho que sim e eu também
acho que preencho o cargo. Agora, eu não estou aqui porque Conceição ou Celso Furtado estejam
atuando politicamente para me
sustentar. Eu estou aqui pura e
simplesmente porque o presidente da República me convidou e,
até onde eu posso perceber, até
hoje ele não manifestou em nenhum momento desagrado com
as coisas que eu fiz ou sugeri.
Folha - A negociação com a AES
foi sua pior experiência no BNDES?
Lessa - A AES é uma coisa muito
difícil. Quando chegamos aqui,
nós vimos que essa era uma operação terrivelmente imprecisa,
tecnicamente muito malfeita. A
operação, que envolvia mais de
US$ 1 bilhão de recursos do
BNDES, foi montada debaixo de
garantias que eram empresas de
papel de propriedade de firmas
com sede em paraísos fiscais, nas
ilhas Cayman. Não havia uma garantia corporativa da AES nem
fiança bancária nem nada. Ou seja, um contrato muito malfeito, e
essa dívida era rolada todo ano.
Eu procurei o presidente da República, expus a situação da carteira que tinha encontrado aqui, e
ele me deu a missão de negociar
com a AES novas condições do
empréstimo. A batalha começou
em janeiro e perdura até hoje. Se
não tivéssemos fechado um acordo, eu teria produzido o maior
prejuízo da história bancária do
país em um ano.
Folha - O sr. tem uma explicação
para esses contratos terem sido tão
malfeitos?
Lessa - Não é pelo fato de a empresa ser uma multinacional que
ela é uma parceira adequada para
o Brasil. Aliás, há multinacionais
adequadas e multinacionais inadequadas. Eu, por exemplo, como
presidente do banco, não concordo em contratar operações em
que a matriz não
dê garantias firmes. Nas operações que nós fizemos até agora, nenhuma delas foi
contratada sem
garantias reais ou
fiança bancária.
Eu tenho responsabilidade bancária, apesar de alguém ter me acusado de não ter experiência por ser
professor e não
banqueiro.
Folha - E a operação da Vale?
Lessa - A Vale do
Rio Doce foi uma
operação impecável. Se não me engano, em agosto
deste ano, tomamos conhecimento de que a Vale
estava comprando a participação
da Mitsui na Caemi e, por sua vez, a
Mitsui estava
comprando as
ações da Bradespar na Vale. Nós
tínhamos o direito de preferência.
Na ocasião, quis exercer esse direito, mas aí recebi uma orientação superior para não interferir
na negociação.
Folha - De quem foi essa orientação superior?
Lessa - Não vou dizer. O argumento foi que a interrupção dessa
negociação prejudicaria as relações do Brasil com o Japão. Só
que, a partir desse momento, nós
passamos a examinar com muita
atenção a Vale do Rio Doce e sua
relação com o desenvolvimento
brasileiro. Por quê? Porque a Vale
do Rio Doce é muito importante
para o desenvolvimento do Brasil.
Ela é a segunda maior empresa
brasileira, a maior exportadora, a
maior geradora de divisas do país
e a maior empresa de logística. Ou
seja, ela é uma campeã nacional.
Nesse meio tempo, a InvestVale
resolveu vender as suas ações, nos
procurou e nós decidimos exercer
nosso direito. O que nos disseram
foi que a Mitsui ficou incomodada com isso. A Mitsui não sabia da
existência dessa cláusula de direito de preferência do BNDES no
caso de uma venda das ações da
InvestVale. Se a Mitsui comprasse
a InvestVale, ela ia ter mais de
25% do capital da Valepar e passaria a ter direito de veto na empresa. A Vale escaparia do controle de mãos brasileiras. Como eu já
tinha percebido que a idéia do comando da República é que a Vale
continuasse sendo uma empresa
importante para o desenvolvimento brasileiro, eu simplesmente exerci o direito de preferência
das ações da InvestVale e ponto.
Folha - O sr. garantiu que a Vale
continuasse nas mãos de empresas
nacionais.
Lessa - Garanti a soberania brasileira. Quando houve a operação
da Vale, chegaram até a dizer que
nós tínhamos feito um mau negócio por ter comprado a ação no
auge. Em primeiro lugar, o ágio
que nós praticamos na compra
das ações da InvestVale foi muito
pequeno, muito menor do que o
que a Mitsui pagou para comprar
as ações da Bradespar na Valepar.
Mas, independentemente disso,
aconteceu uma coisa que não estava nos nossos cálculos. O balanço da Vale veio excepcional, e suas
ações não param de subir. Tiveram uma valorização brutal nesses últimos 30 dias. E isso nem
passou pela nossa cabeça.
Folha - O sr. pretende interferir
nas decisões da Vale?
Lessa - Claro, nós somos acionistas e temos que preservar os interesses da nossa companhia. Nós
achamos, por exemplo, que está
tudo pronto para construir, em
Carajás, pelo menos uma siderúrgica do porte da Belgo Mineira.
Recentemente, soubemos que a
Vale se associou a um grande
comprador de ferro gusa internacional para fazer uma operação de
produção de gusa lá naquela região. Isso é uma coisa que eu, pessoalmente, nunca teria feito como
presidente da Vale.
Folha - A capitalização do banco,
que o sr. queria, não saiu.
Lessa - Eu não preciso mais da
capitalização para cumprir os R$
47,3 bilhões do orçamento programado para 2004. O que o Ministério da Fazenda aprovou agora
já me dá condições de executar
esse orçamento.
Eu gostaria muito,
no entanto, de ser
capitalizado para
poder ficar mais
robusto.
Folha - O BNDES
vai dar apoio à mídia?
Lessa - A mídia
trouxe para nós,
através de suas
quatro entidades,
um pleito que está
sendo examinado
e nós vamos levar
nossas conclusões
à decisão da República no começo de janeiro. O
meu voto é favorável. Acho que
nenhum país pode existir sem
uma mídia forte,
que produza conteúdos próprios.
Só que não sou eu
que vou decidir
sozinho essa questão. Mas eu acho
que o governo sabe da importância da mídia para a democracia.
Folha - O sr. já tem uma previsão
de quanto poderia ser a ajuda para
a mídia?
Lessa - Não, mas o pleito que nos
chegou era um pouco robusto demais.
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