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LUÍS NASSIF
A nação gaúcha
Um dos mistérios da música
popular brasileira é o fato
de jamais ter acontecido a música gaúcha. A região forneceu
grandes músicos ao país, mas
poucos praticando a música regional. O grande nome do Rio
Grande do Sul, Lupicínio Rodrigues, tem poucas composições tipicamente gaúchas. O flautista
Plauto Cruz e alguns violonistas
que aconteceram por aqui dominavam as ferramentas do choro.
De minha infância e adolescência, lembro-me de "Prenda Minha", do Conjunto Farroupilha e
de Teixeirinha, com seu estilo
marcado e trágico.
No entanto, os elementos da
música gaúcha pouco ficam a dever a outras regiões do país, inclusive algumas de evolução musical recente, como Mato Grosso.
Há vários tipos de música e dança, a influência marcante do
Mercosul, com seu estilo característico de violão, de acordeão e
da gaita. Há várias espécies de
dança que, estilizadas, teriam tudo para conquistar a moçada.
Além disso, a música da região
tem seu grande nome, o músico
maior que representa para o Estado o que Almir Sater representa para o Pantanal. Trata-se de
Ronaldo Borghetti, o Borghettinho, que ouço no CD da estupenda coleção "A Música Brasileira
Deste Século", que meu amigo
Pelão e o Danilo do Sesc produziram, em cima dos programas do
Fernando Faro.
Nascido em Porto Alegre, de
pai italiano e mãe alemã, Borghettinho é da mesma linha evolutiva de Piazzolla e seu bandoneon. Tem ligação umbilical com
os ritmos de sua terra e um impulso criativo que o leva a percorrer todas as experiências musicais, sem jamais perder o sotaque
-algo que ocorre também com o
violonista Yamandú Costa.
No CD aparece um músico diferenciado, tanto no estilo de tocar
quanto no nível de informação e
na capacidade de verbalização.
Surgiu na música profissional
muito cedo, aos 16 anos. Depois,
foi descoberto nacionalmente em
um Free Jazz, em 1988. De lá para
cá, desfilou por todos os palcos,
compartilhando a música de
Hermeto Pascoal ao rock nacional, das danças típicas gaúchas à
milonga argentina, em turnês pelo Brasil e Europa.
A música gaúcha não é apenas
Borghettinho. A vitalidade da
dança, do chicote, estaria apta a
conquistar a geração saúde das
academias. O que falta, então?
De um lado, falta uma temática mais universal. Anos atrás,
passei um Réveillon em Canelas.
A TV local desfilava música gaúcha por toda a tarde. A temática
era monocórdica, do ranchinho,
do cavalo e da tragédia. Não se
universalizou, provavelmente
devido à falta de um grande letrista, que representasse para o
Sul o que Vinicius, Paulo César
Pinheiro e Aldir representaram
para o Rio, Alceu Valença para
Pernambuco e Caetano e Gil para a Bahia.
Depois, falta o sentido de marketing. Tivessem os gaúchos a noção de marketing dos baianos e a
música do Estado teria penetração nacional, conquistando amplamente essa geração saúde
com seu sapateado viril, ibérico, e
o uso do chicote.
De qualquer modo, ouvindo
Borghettinho se percebe a riqueza instrumental brasileira. Tome-se o caso do acordeão (ou
gaita). Que país do mundo contaria, em sua música, com escolas
musicais tão diferenciadas quanto a música nordestina de Luiz
Gonzaga e Dominguinhos, a sanfona do Centro-Oeste de Mário
Zan, o som de choro e jazz de
Chiquinho do Acordeon e Orlando Silveira e seus seguidores Robertinho, Bombarda e Toninho
Ferragutti e a gaita de Borghettinho?
E-mail -
Luisnassif@uol.com.br
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