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FABIO GIAMBIAGI
O Ipea e as instituições
Com esforço e investimento, com seus erros e acertos, o boletim do Ipea sempre teve credibilidade e reputação
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A DIREÇÃO do Ipea tomou, por
ocasião da divulgação da Carta
de Conjuntura de junho, a decisão de não mais divulgar sistematicamente as projeções, abandonando
uma prática adotada desde os anos
80. Embora eu tenha sido o coordenador de Conjuntura durante quatro
anos, sinto-me à vontade para defender o que foi feito até agora, porque isso era mérito não do coordenador A ou B, e sim de um esforço institucional de quase três décadas, desde o início das primeiras reuniões trimestrais de conjuntura, ainda no governo
militar, cujo desdobramento foi a
criação do Grupo de Acompanhamento Conjuntural no ano de 1987. A
atual direção do Ipea age como se a
instituição fosse propriedade privada
dela e pudesse acabar de uma penada
com aquilo que antes fora erguido ao
longo de anos. Em 2007, o Boletim de
Conjuntura era, de longe, a publicação mais acessada do site do Ipea.
Com seus erros e acertos, havia aí
uma credibilidade e uma reputação
construídas com muito esforço e investimento institucional.
Por ocasião da decisão, uma das autoridades do Ipea declarou que "não
somos gestores de política econômica
nem operadores do mercado financeiro para nos preocuparmos com as
projeções" ("O Globo", 27/6/ 2008).
A frase, além de ofensiva, é reveladora
de uma posição insólita em um administrador público em relação às pessoas que ele comanda. Isso porque as posições do Grupo de Conjuntura foram sempre fruto de discussões do
grupo como um todo, cujos componentes continuaram trabalhando no
Ipea sob a gestão atual. Ao longo dos
anos, nenhum número ou editorial do
boletim foi fruto da vontade unilateral do seu coordenador ou do diretor
responsável. Tudo era discutido previamente com o grupo. Insinuar, como ele fez, que divulgar projeções indicaria algum tipo de relação entre o
Grupo de Conjuntura e o mercado financeiro é uma agressão aos seus
atuais subordinados, que tinham participado da elaboração do boletim nos
anos anteriores.
Cabe ressaltar, porém, que, na mesma entrevista, a mesma autoridade se
encarregou se declarar explicitamente que "a taxa de juros é exorbitante".
Ora, ou bem o Ipea trata do curto prazo -em cujo caso não havia razão para acabar com as projeções- ou ele se dedica exclusivamente a temas de
longo prazo -e, nesse caso, não cabe
aos dirigentes do instituto opinar se
as taxas de juros são "exorbitantes"
ou não.
Embora o assunto seja grave, é impossível não tratar com certo humor a
opinião do coordenador do grupo,
que, na mesma reportagem, explicando a decisão tomada em nome de
"não alimentar as projeções de inflação", declarou que a publicação dos
números "vira uma profecia auto-realizadora". A conclusão lógica é que
ele julga que a inflação no Brasil era
causada pelas projeções do Ipea, o
que é um caso de megalomania institucional. Diga-se de passagem, que foi
com esse tipo de filosofia que na Argentina se fez a intervenção no Indec
(o IBGE vizinho), no pressuposto de
que a inflação era causada pelo índice
de preços.
Quando a inflação estava abaixo da
meta e as autoridades do Ipea atacavam o Banco Central, o fato era visto
como expressão do caráter macunaímico do país, capaz de abrigar, no
mesmo governo, pólos antagônicos
de pensamento. Agora que a inflação
está aumentando perigosamente, o
país corre dois riscos. O primeiro é
que, em momentos em que o BC deve
ser fortalecido para debelar a inflação
que ameaça as conquistas recentes do
governo e do país, o Ipea se torne um
bunker de franco-atiradores contra a
política monetária. Que a oposição
ataque o BC, faz parte do script em
qualquer país. Entretanto, que autoridades venham a público dizer que
"o problema é o BC", quando a rigor a
inflação ameaça ficar acima do teto, é
um problema, pois pode gerar a interpretação de que o governo não
considera o combate à inflação como
uma prioridade.
O segundo risco é o oposto: que as
autoridades do instituto continuem
se manifestando contra a política
monetária -e não ocorra rigorosamente nada. Nesse caso, o Ipea deixará de ser uma referência, como foi
durante mais de 40 anos. Para ele, é o
pior cenário: o de se tornar irrelevante. Se isso ocorrer e o esvaziamento
em curso se prolongar -basta ver a
lista dos técnicos que saíram da entidade nos últimos oito meses e comparar a média mensal de Textos para Discussão publicados até 2007 com
a dos últimos meses-, a história do
Ipea se dividirá em um "antes" e um
"depois" da passagem dos atuais gestores pela instituição.
FABIO GIAMBIAGI , 46, mestre em economia pela UFRJ
(Universidade Federal do Rio de Janeiro), é economista do
BNDES e autor do livro "Finanças Públicas: Teoria e Prática
no Brasil", entre outras obras.
Hoje, excepcionalmente, a coluna de JOSÉ ALEXANDRE
SCHEINKMAN não é publicada.
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