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Doha está "por um fio", diz Amorim
Insistência da Índia em elevar proteção a seus agricultores é o maior obstáculo para acordo global de comércio
Índia e China dizem que
países ricos é que deveriam
ser responsabilizados por
impasse, devido à relutância
em abrir mercados agrícolas
MARCELO NINIO
DE GENEBRA
Após oito dias de intensa barganha, as negociações da Rodada Doha de abertura comercial
estão "por um fio", admitiu ontem o chanceler brasileiro, Celso Amorim. Com a aproximação do abismo, a troca de acusações entre os países se tornou
aberta. A lista de divergências
ainda é considerável, mas o
maior obstáculo no caminho de
um acordo global de comércio é
a insistência dos indianos em
aumentar a proteção a seus
agricultores.
Para desobstruir o processo,
as discussões foram divididas
em pequenos grupos, enquanto
Brasil e Austrália tentavam
apresentar soluções para o impasse. Passava de 2h em Genebra (21h em Brasília) quando
Amorim deixou a sede da OMC,
confirmando que as conversas
estão à beira do colapso.
Num sinal adicional do estado sombrio das negociações, a
OMC inverteu o cronograma
das reuniões para hoje, marcando para a parte da tarde a
assembléia dos 153 membros
da entidade, que costuma acontecer de manhã. "Não há progresso a reportar", disse uma
fonte próxima às discussões.
O porta-voz da OMC, Keith
Rockwell, classificou a situação
de "muito tensa". Ele contou
que, depois de 12 horas de discussões em torno de várias propostas para dissipar a divergência, "nada garantia um desfecho bem-sucedido".
Foi o ápice de uma escalada
de pessimismo que já havia deflagrado uma ácida troca de
acusações durante o dia. O primeiro disparo foi dado pelos
EUA, que culparam Índia e
China pelo impasse. Os dois
maiores emergentes reagiram,
afirmando que os países ricos é
que deveriam ser responsabilizados devido à relutância em
abrir seus mercados agrícolas.
Os americanos afirmaram
ter "engolido" concessões e
acusam chineses e indianos de
pôr o acordo em risco ao rejeitar o pacote de soluções proposto na sexta pelo diretor-geral da OMC, Pascal Lamy. "Há
um risco real ao equilíbrio delicado obtido na sexta", disse a
representante do Comércio
dos EUA, Susan Schwab.
O Brasil aceitou imediatamente a proposta de Lamy, distanciando-se de aliados como
Argentina e Índia, que consideraram insuficientes as concessões dos países ricos e excessivas as dos emergentes.
Os chineses, que no dia anterior haviam endurecido sua posição ao afirmar que não aceitavam reduções de tarifas sobre
arroz, açúcar e algodão, responderam à acusação dos EUA. "É
um pouco surpreendente que
os EUA estejam apontando culpados neste estágio", disse o
embaixador chinês na OMC,
Sun Zhenyu.
Para os chineses, o nó da
questão é a relutância dos EUA
em fazer mais cortes em seus
subsídios agrícolas além do teto anual oferecido, de US$ 14,5
bilhões. Mas Índia, China e outros emergentes querem mais,
argumentando que o valor ainda é duas vezes o volume atual.
Sob pressão, a Índia jogou a
culpa de volta para os americanos. Kamal Nath, o ministro indiano do Comércio, disse que
aceitou uma nova proposta sobre o SMM (Mecanismo de Salvaguarda Especial, na sigla em
inglês), que daria mais proteção aos pequenos agricultores
dos países em desenvolvimento, mas os EUA a rejeitaram.
A negociação, que hoje entra
em seu nono dia, três dias a
mais que no plano original, tem
sido um teste para negociadores, lobistas e jornalistas, em
jornadas intensivas que chegam a durar 18 horas. "Tem sido uma montanha-russa emocional", desabafou a comissária
européia de Agricultura, Mariann Fischer Boel.
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