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ORTODOXIA
Ata que sinalizou alta dos juros reacende batalha interna no governo sobre patamar da Selic
Lula vê "barbeiragem" do Copom
KENNEDY ALENCAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A batalha sobre o patamar dos
juros, que se acalmara nos últimos dois meses, voltou com toda
força ao núcleo do governo Luiz
Inácio Lula da Silva. A Folha apurou que o presidente trabalha para que o Copom (Comitê de Política Monetária) evite ao máximo
aumentar a taxa básica de juros
(Selic), hoje em 16% ao ano.
No dia 19 de agosto, em reunião
com as equipes do Banco Central
e do Ministério da Fazenda, Lula
disse claramente que os times estavam "de parabéns" pelos dados
recentes que confirmavam a retomada do crescimento econômico,
mas também afirmou que temia
que eventual erro de dosagem, como alta desnecessária dos juros,
pudesse comprometer a sustentabilidade da recuperação.
Nas palavras de um auxiliar, Lula ressaltou que o ajuste fiscal continuaria firme, mas que a política
monetária deveria ser dosada para não minar esse esforço.
Exatamente uma semana depois, ao ver a divulgação da ata do
Copom que alertava sobre o risco
de o Banco Central ter de elevar os
juros por conta do instável preço
do petróleo e de eventual elevação
inflacionária decorrente dele, Lula ficou muito contrariado.
"Barbeiragem" foi o termo usado por um membro da cúpula do
governo para descrever a reação
do presidente à ata do Copom
-formado pelo presidente e pelos diretores do BC, que se reúnem mensalmente para fixar a Selic. Para Lula, após repetidas boas
notícias na economia, a ata funciona como uma ducha de água
fria nas expectativas. Mais: dá à
oposição em tempo eleitoral o
discurso de que a retomada da
economia é uma bolha e que, passado 3 de outubro, subirão os juros e a gasolina (preço que o governo tem segurado).
Segundo relato de um dos presentes à reunião de 19 de agosto,
ela foi um "encontro de sedução",
daqueles em que Lula tenta "ganhar" os interlocutores. Muitos
ele não conhecia pessoalmente.
"Quero conhecer esses caras
que estão ferrando o meu governo", disse Lula a um interlocutor,
em tom de brincadeira, dias antes.
Lula quis prestigiar o presidente
do BC, Henrique Meirelles, mas,
principalmente, conhecer diretores do BC e dar o seu recado. Naquela semana, Lula conferira a
Meirelles o status de ministro,
dando-lhe foro privilegiado.
Nem sempre há concordância
entre o que Lula quer e o que
acontece. Em várias ocasiões ele
esperava quedas maiores, mas
aceitou reduções menores. O Copom também cedeu a Lula. Em
agosto de 2003, por exemplo,
houve queda de 2,5 pontos percentuais por sua pressão direta.
Em novembro, a taxa caiu 1,5
ponto; o BC queria 1 ponto.
A blindagem de Meirelles foi arrancada a contragosto -para
proteger um presidente do BC
que transmitia um desespero de
deixar o ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho, preocupado
até com a sua saúde.
É preciso matizar a avaliação
que o governo tem de Meirelles.
Há a dívida de gratidão de Lula
por ele ter aceito dirigir o BC após
uma série de recusas no final de
2002. Mas isso não significa que
não haja reparo à sua atuação.
Palocci e seus dois principais
auxiliares, Joaquim Levy (secretário do Tesouro) e Marcos Lisboa
(secretário de Política Econômica
da Fazenda), acham que o BC perdeu oportunidade em 2003 e em
2004 para diminuir a Selic.
Lisboa bateu duro no BC em
reuniões internas, dizendo, por
exemplo, que o Copom poderia
ter contribuído mais para reduzir
a relação entre dívida pública e
PIB. Apesar do aperto recorde para pagar juros, ela se mantém no
mesmo nível da posse de Lula.
Descontada a inflação (estimada em pouco mais de 7% neste
ano), sobra hoje uma taxa de juro
real de cerca de 9%. A Fazenda
julga essa patamar adequado
-alto o suficiente para atrair investidores, mas não a ponto de inviabilizar a redução da relação dívida/PIB. Nesse contexto, Lula
acha salutar que Meirelles sofra
pressão, como o recado que deu
no dia 19 para que ele e seus diretores não agissem de forma muito
ortodoxa. Como de costume, a
pressão é feita por Palocci.
Mas Lula tem achado pouco.
Antes descontente com as críticas
freqüentes de seu vice aos juros,
principalmente em 2003, quando
achava que elas podiam atrapalhar a conquista da confiança do
mercado, ele viu com bons olhos
o recente ataque de José Alencar.
Houve momentos, em 2003 e
2004, nos quais Meirelles insinuou que podia sair diante das
críticas do PT e de Alencar. Num
episódio, Meirelles disse que, se
Lula e Palocci não estivessem satisfeitos, ele não criaria problemas
e deixaria o posto. Como foi duro
achar um presidente do BC (Meirelles foi a sexta opção), Palocci e
Lula contornaram tais arroubos.
Em meados de julho, Meirelles
voltou a emitir sinais parecidos,
preocupado com as reportagens
que questionavam a lisura da administração de seu patrimônio.
Como Lula o bancou e acredita
que ele não cometeu irregularidade, sente-se credor para cobrar de
Meirelles uma pilotagem mais política. Obviamente, o discurso público será o de que o governo não
interfere no Copom.
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