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OPINIÃO ECONÔMICA
Uma falsa alternativa
RUBENS RICUPERO
Pode parecer que só quem
não tem o que fazer se preocuparia hoje com a competitividade do Brasil no comércio exterior. Afinal, as exportações vêm
crescendo, no ano passado e neste, a taxas superiores a 20%, chegando às vezes a 30%. O saldo comercial voltou aos tempos milagrosos e, até em contas correntes,
nosso permanente ponto fraco, temos produzido excedentes que reduzem a necessidade de financiamento externo. Se é assim, onde
está o problema?
O maior deles é sugerido pelo
desempenho decepcionante das
vendas ao mercado norte-americano, no qual quase não conseguimos crescer, conforme mostrei
no artigo do domingo passado.
Ora, não se trata de um destino
qualquer, mas do maior mercado
importador do mundo, do mais
dinâmico em contribuição ao
crescimento da demanda de importações, do que sempre foi historicamente o primeiro mercado
individual do país, desde a segunda metade do século 19 e início do
20, quando chegou a absorver
36% das exportações brasileiras,
porcentagem agora reduzida a
20%.
Por razões que têm a ver com a
cultura e o sistema de distribuição e comercialização, as outras
grandes economias desenvolvidas, a União Européia e o Japão,
apresentam propensão a importar bem inferior à dos EUA. Isso é
particularmente sensível nas manufaturas de alta e média tecnologia, de elevado valor agregado,
o filé mignon do comércio. Nessa
área, os americanos são, em geral,
muito mais abertos e dispostos a
importar. É por isso que seu mercado funciona, na prática, como
uma espécie de barômetro da
competitividade exportadora industrial. Não é preciso encomendar estudos para saber se somos
competitivos. Salvo nos casos de
produtos protegidos, basta ver se
somos capazes de vender no mercado ianque.
Mas que importância tem isso
se vendemos aos outros, é verdade
que sobretudo produtos agropecuários, nos quais nossa competitividade é indiscutível? Essa mesma objeção foi, no Rio de Janeiro
do começo dos anos 1950, dirigida
por Jacob Viner contra Raúl Prebisch. Acusado de considerar a
agricultura como símbolo de pobreza, o diretor da Cepal defendeu-se com o argumento de que
seria absurdo atribuir-lhe idéia
tão esdrúxula, pois seu país, a Argentina, havia alcançado, graças
à agricultura, renda per capita
extremamente elevada no princípio do século 20.
Em lugar de promover a industrialização, dizia Viner, devia-se
introduzir o progresso técnico no
setor agrícola, a fim de aumentar
a produtividade e expandir as exportações. De acordo, respondeu
Prebisch, mas o progresso técnico
expulsará mão-de-obra do campo e caberá à indústria e a atividades a ela associadas empregar
esses trabalhadores com produtividade crescente.
No fundo, o debate é supérfluo e
a alternativa é falsa, pois os dois
setores são caras inseparáveis da
mesma moeda, sendo difícil traçar fronteiras impermeáveis entre
agricultura intensiva em tecnologia, agroindústria, indústria alimentar e manufaturas em geral.
O que se pode afirmar, no exemplo brasileiro, é que, acima de tudo devido à Embrapa, incorporou-se tecnologia à agropecuária,
que conquistou competitividade
internacional. Falta agora fazer
algo parecido na indústria avançada.
Os sucessos irrecusáveis -a
Embraer, a Vale do Rio Doce, não
só em minérios mas em ferrovias
e portos, a Petrobras, em exploração de águas profundas, a siderurgia, a citada Embrapa- indicam duas coisas.
A primeira é que muitas vezes o
Estado teve de dar o empurrão
inicial, embora tenha depois correspondido aos empresários assegurar a continuidade em alguns
casos.
A segunda é que as políticas industriais chamadas de verticais,
isto é, dirigidas a um setor específico, podem ser altamente eficientes se, como nos exemplos da Embraer e da Embrapa, a ênfase de
partida e chegada for sempre o
conhecimento, a pesquisa voltada
ao mercado, o desenvolvimento
de recursos humanos. Nesse sentido, tornar operacionais os mais
de 20 fundos sobre inovação tecnológica, criados pelo ministro
Sardenberg, seria um passo gigantesco para a conquista da
competitividade.
Como esforço complementar ao
nacional, convém não desperdiçar o potencial exportador das
empresas transnacionais, sobretudo das hoje batizadas de "integradoras globais", as que estabelecem cadeias internacionais de
produção, dentro das quais cada
filial se especializa em alguns produtos, a fim de auferir ganhos de
escala. Das 500 empresas gigantes
da revista "Fortune", o Brasil tem
cerca de 400, mas algumas exportam pouco pois vieram atraídas
pelo mercado interno. A prioridade, assim, deveria ser criar condições para estimular a exportar as
empresas já instaladas no país.
De todos os países-origem das
transnacionais, o único que publica dados sobre quanto exportam as filiais de suas empresas é
os EUA. O que eles revelam é que,
no Brasil, mesmo com a melhoria
das condições de câmbio após
1998, as filiais de empresas americanas só aumentaram marginalmente as exportações, de 14% a
18%.
Mais de 80% de suas vendas se
fazem ainda dentro do mercado
interno, o que não é de estranhar,
dadas a dimensão e a voracidade
do nosso. Levando em conta, porém, que, em outros países da
América Latina, a propensão para exportar dessas filiais alcança
quase os 40%, não seria irrealista
obter melhoria significativa da
porcentagem atual.
Essa é apenas uma amostra do
que a Unctad, com o Pnud, tencionam sugerir ao governo amanhã, numa reunião em Brasília,
como conteúdo de uma estratégia
sobre investimentos estrangeiros
direcionados ao aumento das exportações.
Outra meta, dentro dessa estratégia, seria atrair investimentos
estrangeiros para as regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste, que só
receberam 15% das inversões de
fora. É evidente que os governos
não souberam aproveitar as exceções e as vantagens em matéria
de subsídios, por exemplo, que as
regras da Organização Mundial
do Comércio admitem para ajudar o desenvolvimento regional.
Estratégia clara, com agência
federal eficiente para pô-la em
prática em articulação com agências estaduais, é o meio de diversificar e melhorar a oferta exportadora, superando as falsas alternativas. Nada impede, com efeito,
expandir as vendas à Europa e
aos EUA, ao mesmo tempo. Como
nada impediu que os EUA, a Austrália e o Canadá sejam os primeiros exportadores agrícolas à
China, sem afetar sua competitividade em manufaturas, serviços,
tecnologia e tudo o mais.
Rubens Ricupero, 67, é secretário-geral
da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento),
mas expressa seus pontos de vista em
caráter pessoal. Foi ministro da Fazenda
(governo Itamar Franco).
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