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LUÍS NASSIF
O piano do cine Odeon
Nos anos 70, o filme "Golpe
de Mestre", com Robert Redford e Paul Newman, bateu recordes de bilheteria e, provavelmente, de trilha sonora. Pela primeira
vez minha geração foi apresentada à música de Scott Joplin, o
compositor de ragtimes nascido
em 1868 e morto em 1917.
O disco explodiu no Brasil, em
parte pela beleza das composições, em parte porque Joplin parecia alma gêmea de Ernesto Nazareth, o extraordinário compositor
de "Odeon". Nazareth nasceu três
anos antes de Joplin, no morro do
Nheco, no Rio de Janeiro, filho de
um funcionário da alfândega.
Morreu em 4 de fevereiro de 1934,
próximo à Cachoeira dos Ciganos.
Raphael Rabello, o grande violonista, era meio místico e tinha
por hábito dividir o mundo em
universos paralelos: o Brasil tinha
Villa-Lobos, a Argentina tinha
Ginastera; o Brasil tinha Tom Jobim, a Argentina tinha Piazzolla;
o Brasil tinha Nazareth, os Estados Unidos tinham Scott Joplin.
Sempre lamentei a falta de tempo para poder investigar um pouco o paralelo entre ambas as músicas. Quem começou antes, o ragtime de Joplin ou os tangos brasileiros de Nazareth? Entre eles havia uma provável ponte feita por
Louis Moreau Gottschalk, o genial compositor norte-americano
que saiu de Nova Orleans, passou
por Cuba, aportou no Brasil,
compôs o clássico "A Grande
Marcha Triunfal" sobre o Hino
Nacional do Brasil.
Gottschalk nasceu em 1829, em
Nova Orleans, cidade de Scott Joplin; morreu em 1869, no Rio de
Janeiro, cidade de Nazareth.
Anos atrás ouvi um CD com composições suas. Estavam ali todos
os elementos do que viria a ser o
ragtime de Joplin e o tango brasileiro de Nazareth.
Mas Nazareth era mais que isso. Em sua obra conviviam o choro, o batuque, a polca e as mais
belas valsas que o Brasil já conheceu, inspiradas em Frederic Chopin.
Nos primeiros anos do século
20, aliás, a música popular brasileira já se sofisticara bastante.
Clássicos do novo sincopado, "Tico Tico no Fubá", de Zequinha de
Abreu, e "1 x 0", de Pixinguinha,
foram compostos antes de 1920.
Nesse período, Nazareth reinava
absoluto na música instrumental,
com seu piano sendo admirado
por Darius Milhaud, o grande
compositor francês que servia na
embaixada da França.
Em 1924, foi tocar no cine
Odeon. Na orquestra do maestro
Andreozzi, tocava o violoncelo de
Heitor Villa-Lobos.
Sempre houve certo preconceito
do mundo do piano erudito em
relação a Nazareth. Consideravam-no popular demais, apesar
da sofisticação de suas músicas.
No mundo da música popular,
sempre foi amado. Uma letra de
Vinicius de Moraes para o choro
"Odeon", de Nazareth, já encantara minha geração na voz de
Nara Leão. Na história do choro
brasileiro, o único autor que se rivaliza com ele na quantidade, na
qualidade e na influência foi Pixinguinha.
Lá por volta de 1970, já reconhecido internacionalmente como
um dos grandes intérpretes de
Chopin, Arthur Moreira Lima
gravou dois LPs históricos com
obras de Nazareth. Foi um divisor
de águas na avaliação sobre o
mestre. Os LPs circularam em todos os ambientes. Foi a partir deles que tirei no meu bandolim o
"Tenebroso".
Apenas alguns anos depois,
meu amigo Marchezan, velho
funcionário da Cesp e freqüentador do bar do Alemão, apresentou-me as gravações de Nazareth
por Radamés e Aída Gnatalli.
Não pode faltar em nenhuma discoteca que se preze.
Da nova geração de pesquisadores cibernéticos, o brasiliense
Alexandre Dias já conseguiu perto de 1.500 gravações de músicas
de Nazareth pelos mais variados
intérpretes do mundo inteiro.
Contabilizou 250 composições do
mestre, dos quais 30% permanecem inéditas. Enviou-me um arquivo Encore da polca "Gentes, o
Imposto Pegou", que Nazareth
compôs aos 17 anos e que permanece inédita. Se o dr. Henrique
Meirelles não tomar muito meu
tempo, vou incluí-la no meu repertório, ao lado de "Brejeiro",
"Ameno Rezedá", "Apanhei-te
Cavaquinho", "Floraux",
"Odeon", "Escorregando", "Coração que Sente", entre tantas que
ajudaram no século 20 a moldar
a alma brasileira.
E-mail - Luisnassif@uol.com.br
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