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SISTEMA FINANCEIRO
Primeira instituição na Europa a seguir lei muçulmana será aberta nos próximos dias no Reino Unido
Banco islâmico rejeita cobrar e pagar juros
ÉRICA FRAGA
DE LONDRES
O mercado financeiro britânico
vem descobrindo um novo filão: a
oferta de produtos e serviços voltados para a população muçulmana, que estejam de acordo com
os princípios islâmicos.
O passo mais significativo nesse
sentido será dado nos próximos
dias, com a abertura do Islamic
Bank of Britain (IBB), a primeira
instituição financeira européia
que atuará 100% de acordo com a
chamada sharia (lei baseada no
Alcorão). A população islâmica
no Reino Unido é composta de
cerca de 1,8 milhão de pessoas. No
mundo, o sistema bancário islâmico movimenta cerca de US$
200 bilhões, segundo estimativas.
Há duas semanas, a autoridade
financeira regulatória do Reino
Unido, a FSA (Financial Services
Authority), concedeu autorização
para o IBB funcionar e receber depósitos sem ter de oferecer garantias proibidas pelos fundamentos
islâmicos -mas exigidas no mercado financeiro britânico-, como a devolução assegurada do capital investido.
Outras peculiaridades dos negócios financeiros que seguem a
lei sharia são a proibição de investir em negócios ligados à pornografia, ao álcool, a jogos e ao tabaco e -o mais controverso do
ponto de vista do mercado bancário tradicional- de pagar ou cobrar juros. Além disso, a idéia é
que investidor e instituição financeira dividam lucros e perdas dos
negócios realizados.
Lucros à vista
A notícia da abertura do IBB
tem sido comemorada tanto pela
comunidade islâmica como por
setores -como bancos e escritórios de advocacia- que podem
lucrar com o avanço do mercado
islâmico.
"Isso vai mudar completamente
a situação do segmento bancário
islâmico. Até agora, a população
muçulmana no Reino Unido tinha acesso limitado a determinados produtos desenhados de
acordo com a lei islâmica", afirma
Neil Miller, chefe da área de finanças islâmicas no escritório de advocacia Norton Rose, em Londres.
Miller diz que o interesse das
instituições financeiras em atender à demanda da população muçulmana já vinha crescendo. Ele
cita, por exemplo, vários empreendimentos no norte da Inglaterra que estão sendo financiados
por investimentos muçulmanos.
No final de 2002, a empresa de
consultoria DataMonitor concluiu que o tamanho do mercado
de financiamento imobiliário islâmico não passava de 40 milhões
de libras esterlinas, mas teria potencial para atingir 4,5 bilhões de
libras, até o final de 2006, se ocorressem mudanças regulatórias.
A consultora Helen Smith, autora do estudo, explica que a principal barreira à expansão desse nicho era que, nos financiamentos
imobiliários islâmicos, a taxa cobrada pelo governo, dos compradores de casas, incidia duas vezes.
Isso porque, como a lei "Shariah" veta as transações de "dinheiro por dinheiro", os muçulmanos que queiram segui-la não
podem, simplesmente, contrair
um empréstimo, adquirir um
imóvel e devolver o dinheiro ao
banco corrigido por juros.
Então, os financiamentos imobiliários tinham de ocorrer da seguinte forma: o banco adquiria o
imóvel e o cedia ao comprador
muçulmano, que passava a pagar
uma espécie de aluguel. No fim de
determinado período, o imóvel
estaria pago, e o banco o revenderia, oficialmente, ao cliente.
O problema é que a taxa sobre a
aquisição de propriedades, nesses
casos, era cobrada e paga duas vezes pelo comprador.
Isso tornava o negócio muito
caro para os interessados e, por isso, pouco atraente para as instituições financeiras. Essa barreira
foi removida no final do ano passado quando foi retirado o duplo
pedágio.
Mercado imobiliário
Desde meados de 2003, o HSBC
e o United National Bank, por
exemplo, lançaram produtos de
financiamento imobiliário islâmico. De acordo com analistas, existe a expectativa de que mais instituições financeiras, agora, se sintam atraídas pelo mercado de negócios voltado para muçulmanos.
E motivos para atração não faltam. Segundo Harris Bokhari,
consultor de impostos e contador
da empresa 1st Ethical Limited
-especializada em consultoria
financeira sharia-, a população
muçulmana hoje na Inglaterra é
composta por muitos profissionais que têm renda líquida altíssima: entre 200 mil libras esterlinas
e 300 mil libras por ano.
"A primeira geração de muçulmanos que veio para a Inglaterra
nas décadas de 50 e 60 teve de trabalhar duro para dar educação
aos filhos que estudaram e se tornaram profissionais altamente
qualificados, como médicos, consultores de tecnologia e informática e dentistas", diz ele.
Investir com retorno
De acordo com Bokhari, esses
profissionais bem-sucedidos querem investir seu dinheiro de acordo com a lei islâmica e, ao mesmo
tempo, são exigentes, pois querem ter retornos altos.
"Isso torna esse mercado muito
atrativo."
Na expectativa da comunidade
muçulmana, a procura por produtos e serviços bancários islâmicos tende, de fato, a ser grande.
Segundo Mohammed Qayyum,
do Institute of Islamic Banking
and Insurance, muitos muçulmanos que vivem tanto no Reino
Unido como no resto da Europa
são obrigados a depositar seu dinheiro em bancos convencionais
porque não têm alternativa.
Por isso, muitos analistas prevêem que, a partir de agora, com a
porta aberta pelo IBB no Reino
Unido, essa e outras instituições
possam expandir seus negócios
para o resto da Europa.
Por enquanto, o IBB não cita
números, mas diz ter "planos ambiciosos" e fala em conquistar, em
um período de cinco anos, uma
grande fatia do volume financeiro
movimentado pela comunidade
islâmica.
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