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CONSUMO
Cineasta e publicitário aponta erros na propaganda com negros americanos, apesar de grupo representar o 11º PIB do mundo
Spike Lee denuncia "gueto" nos Estados Unidos
GARY SILVERMAN
DO "FINANCIAL TIMES"
Spike Lee gosta de comerciais de
televisão. O diretor de comentários cáusticos sobre a sociedade
americana como "Faça a Coisa
Certa" e "Malcolm X" também é
publicitário, afinal, presidente-executivo e acionista majoritário
da Spike DDB, uma agência de
publicidade integrada ao grupo
Omnicom, a maior companhia de
serviços de marketing do mundo.
Mas mesmo Lee tem seus limites. Ficou indignado quando a fabricante de material esportivo Nike exibiu neste ano comerciais estrelados por LeBron Jones, o adolescente-sensação do basquete
americano, exibindo seu acrobático talento em uma igreja negra
repleta de astros do basquete.
"O comercial de LeBron James,
aquele em que ele entra na igreja e
os negros voam pelo ar fazendo
piruetas e enterrando bolas nas
cestas estrondosamente, para
mim, aquilo é um sacrilégio", afirma Lee, na sede de sua agência, na
avenida Madison. "Desafio alguém a me exibir um comercial
vendendo qualquer coisa em uma
sinagoga ou igreja católica. O filme fazia chacota da fé dos negros
norte-americanos e da igreja negra."
As observações de Lee são especialmente notáveis porque, como
ele diz, "sou um homem da Nike".
Dirigiu e atuou em uma série de
comerciais inovadores com o astro do basquete Michael Jordan,
em começo de carreira, e os filmes
ajudaram a estabelecer os tênis
Air Jordan como o ápice da moda
street dos anos 80. Lee também é
fã de James, e sua agência usou o
jogador em um comercial. Mas o
diretor continua a ser um crítico
social, e sua reação ao filme da Nike que usa uma igreja negra como
cenário oferece um vislumbre das
questões envolvidas no mundo
do marketing étnico, que cresce
cada vez mais nos EUA. Os anunciantes vêm se concentrando nos
negros, nos hispânicos e nos demais grupos minoritários dos Estados Unidos em razão de novas
estatísticas que demonstram o
poder aquisitivo desses grupos.
Os negros dos Estados Unidos,
se considerados como um país separado, seriam a 11ª nação do
mundo em termos de Produto Interno Bruto (PIB), de acordo com
a UniWorld, uma agência de publicidade associada ao grupo britânico de serviços de marketing
WPP. Mais de um quarto dos negros norte-americanos tem renda
superior a US$ 50 mil ao ano.
Além disso, os anunciantes têm
em vista a oportunidade de atingir um novo grupo de consumidores que eles definem como "os
urbanos", pessoas de diferentes
raças que respondem às tendências emanadas das cidades. Esse
grupo incluiria categorias como
os profissionais urbanos acostumados a viver em regiões multirraciais e as legiões de brancos que
vivem nos subúrbios mas se tornaram devotos do rap.
Dana Wade, presidente da Spike DDB, estima que cerca de três
quartos de seus clientes anunciem
para os "urbanos", enquanto o
quarto restante se concentra nos
consumidores negros.
Lee diz ter criado sua agência,
que emprega 45 pessoas, no final
dos anos 90, porque dirigir trabalhos com idéias alheias era causa
de frustração. Sua participação na
empresa é de 51%, e as demais
ações estão sob o controle da
DDB Worldwide, uma das agências de publicidade da Omnicom.
Mas, mesmo como acionista majoritário, Lee ainda enfrenta obstáculos, gerados pelas concepções
estereotipadas das grandes empresas sobre os negros.
Os trabalhos recentes da DDB
incluem um comercial para a
Pepsi-Cola baseado na ópera
"Carmen" com a cantora Beyoncé
Knowles no papel principal. Mas
Lee e Wade dizem que muitos dos
potenciais clientes continuam
querendo retratar os negros, particularmente os homens jovens,
de maneira menos lisonjeira.
Wade diz que "existe uma certa
imagem dos homens negros que a
maioria dos norte-americanos está disposta a aceitar, e é uma imagem de gangue, uma imagem exagerada". Lee acrescenta que
"meus amigos atores muitas vezes contam, depois de testes com
diretores brancos, que recebem
pedidos para agir mais como negros, agir de um jeito mais street".
O resultado é que, na interpretação de Lee e Wade, os negros continuam a existir em um gueto, em
termos publicitários. As empresas
que vendem carros e roupas, ou
comida e bebida, ou serviços financeiros, a exemplo das seguradoras, claramente querem atingir
as audiências minoritárias. Mas
os grupos que comercializam
produtos de luxo preferem manter distância.
"Quanto mais luxuosa uma
marca se torna, mais medo a organização de marketing demonstra", diz Wade. "Nós ficamos
completamente de fora dos produtos de luxo. Eles querem acreditar que os negros são pobres e
que todos nós temos baixo nível
de educação. Graças a Deus pelo
recenseamento, de certa forma, as
pessoas descobriram que existe
não só uma classe média negra
mas uma classe média alta na comunidade negra dos EUA."
Lee diz que a popularidade da
cultura negra sugere que os negros têm apelo maior nas audiências do que as empresas parecem
presumir. Nesse sentido, ele deixa
a impressão de que gostaria que
sua agência de publicidade assumisse um tom mais universal.
"Nós [os negros] é que geramos
tudo de novo, na moda, na música, na uso da linguagem, mas não
são somos vistos como uma presença universal e atraente para todos. Se não fôssemos atraentes
para todos, porque a cultura negra seria imitada o tempo todo?"
"Muito do que temos de fazer é
educar os clientes, que simplesmente não sabem. Eles têm uma
visão monolítica dos negros: que
todos nós nos parecemos, falamos do mesmo jeito e compartilhamos dos mesmos antecedentes
sociais e econômicos", diz.
Tradução de Paulo Migliacci
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