São Paulo, domingo, 29 de agosto de 2004

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Especialista diz que instituições cobram taxas de forma indireta

DE LONDRES

Apesar da história milenar do islamismo, sua vertente econômica e financeira é um fenômeno do século 20. Surgiu para reforçar a presença dos mandamentos religiosos e proteger a "identidade" dos muçulmanos. Às vezes, no entanto, por trás das regras rígidas -que proíbem, por exemplo, a cobrança e o pagamento de juros-, surgem mecanismos de escape. Embutidos nas taxas dos serviços pagos aos bancos, podem estar juros disfarçados.
A explicação é de Timur Kuran, professor de economia e direito e de pensamento e cultura islâmicos da University of Southern California (EUA). Kuran, autor do livro "Islam and Mammon: The Economic Predicaments of Islamism", diz que, ironicamente, um banco islâmico pode ser mais fiel ao mandamento da não-cobrança de juros em países do Ocidente, onde há mais confiança mútua, do que em países árabes.
Leia a seguir trechos da entrevista concedida por Kuran à Folha via e-mail.
 

Folha - Será inaugurado o primeiro banco islâmico da Europa com licença para aceitar depósitos. O que está por trás disso em termos políticos ou econômicos?
Timur Kuran -
Os bancos islâmicos têm sido estabelecidos para servir muçulmanos que consideram os juros proibidos pelo islã e agências oficiais que se sentem pressionadas a fazer negócios "livres de juros". Movimentos e países que tentam revigorar o papel do islã na vida diária têm apoiado esse desenvolvimento.

Folha - Esse conceito de banco islâmico, com regras como a proibição dos juros, sempre existiu ou é um fenômeno recente?
Kuran -
O primeiro banco islâmico abriu em 1973. Antes disso, não havia nada próximo a um banco islâmico, embora a idéia date da década de 40. Durante muito tempo da longa história de 14 séculos do islã, o empréstimo de dinheiro era um negócio florescente, mas a oferta de crédito vinha ou de indivíduos ou de parcerias pequenas e temporárias. O primeiro banco de capital muçulmano foi estabelecido nos anos 20, e ele não dizia que sua inspiração vinha do islã. Mesmo hoje, muitos bancos no mundo islâmico são convencionais, isto é, não se dizem "islâmicos". E muitos muçulmanos não têm problemas em depositar recursos ou emprestá-los a um banco convencional.

Folha - O sr. diz que bancos islâmicos no Oriente Médio encontraram uma forma de cobrar juro indiretamente. Isso pode acontecer em instituições islâmicas no Ocidente?
Kuran -
Os bancos islâmicos no Oriente Médio, supostamente, devem operar como negócios de risco. Devem dividir lucros e perdas dos seus clientes. Mas os bancos islâmicos são resistentes a se engajar em atividades de lucros e prejuízos divididos em um ambiente em que quase todas as empresas mantêm mais de um caixa. O sistema bancário islâmico deve ser implementado sobre um pressuposto de confiança generalizada. Confiança mútua é, relativamente, mais forte no Ocidente, portanto, ironicamente, a possibilidade de um banco operar "livre de juros" é maior no Reino Unido ou nos EUA do que no Cairo ou em Karachi (Paquistão). (EF)


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