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LUÍS NASSIF
As profissões do meu tempo
Nesta semana fui a um restaurante relativamente sofisticado. Na parede havia um
quadro onde estavam escritas a
giz, e com letra caprichada, as novidades do cardápio. O cartaz me
lembrou a maneira como o cine
São Luiz de Poços de Caldas
anunciava seus filmes. De manhã, na porta do cinema, aparecia o pintor, sujeito magro, alto e
careca, e começava a pintar o nome do filme e do casal de atores
principais. A gente ficava à distância, babando com o capricho
com que bordava as letras:
E-l-i-z-a-b-e-t-h T-a-y-l-o-r. As
tabuletas, de ferro pesado, ficavam encostadas nos postes das
principais esquinas da cidade.
Era uma das muitas profissões
que foram tragadas pelo tempo,
como tantas outras da minha infância. Ainda é possível achar o
vendedor de pamonhas por aí.
Nenhum, por certo, que se equiparasse ao Tião Pamonheiro e
sua voz de congo. "Olha a pamonha, mio verde", era seu bordão.
Tinha o seu Marcondes, calista,
que todo mês vinha cortar os calos dos pés de meu pai. Na rua Rio
de Janeiro, quase esquina com a
Assis (a principal da cidade), tinha um sapateiro, desses de fazer
meia-sola e tudo. Só lá para meados dos anos 60 passou a vender
sapatos industrializados.
Havia outras profissões que
ainda resistem bravamente aos
novos tempos, como os tintureiros. O nosso subia o morro de bicicleta, pegando as roupas nas casas. Era o Lazinho, emérito guitarrista. E de bicicleta andava
também o seu Alexandre Xandó,
nosso livreiro, que visitava as casas apresentando os últimos lançamentos de São Paulo. Gozado
como a bicicleta era utilizada em
Poços, ainda mais levando em
conta ser cidade montanhosa.
Bordadeiras, havia aos montes,
cada qual com um bordado ou
crochê mais bonito que o outro.
As mais famosas de Poços eram a
dona Cota e a dona Maria Bordadeira, se não me engano.
A profissão de parteira era requisitadíssima. Minha parteira
foi dona Júlia. A de minhas irmãs,
dona Esther. Poços já tinha uma
boa Santa Casa, mas parte das famílias queria ter os filhos em casa.
Foi o caso da dona Tereza, mulher teimosa que nem algumas
netas dela que eu conheço. De
saúde frágil, recebera o conselho
do dr. Rowilson de que não deveria se aventurar a ter filhos: arriscava-se a morrer ou ela ou a
criança. Dona Tereza não só decidiu ter como fez questão de que
fosse em casa. Nasci às sete da
noite com mais de 20 pessoas na
sala rezando. Os dois sobrevivemos galhardamente, dona Tereza
a mais quatro partos.
A profissão de alfaiate era outra
extremamente valorizada. Nem
falo de meu avô paterno, que deixou Buenos Aires, passou por São
João, mudou-se para Poços e
montou uma pequena alfaiataria
com meu tio mais velho antes de
ser abatido por um derrame.
Na minha infância, o alfaiate
mais solicitado era o seu Alexandre Pagin, nosso vizinho. Só para
meados dos anos 60 apareceram
a Ducal e a roupa industrializada. O único problema do seu Pagin -dizia minha mãe- é que
sempre fazia calças para mim
com uma perna mais curta. E
sempre comigo. Só na adolescência minha mãe descobriu que, na
verdade, a minha perna esquerda
é que era mais curta do que a
direita.
O lambe-lambe, o fotógrafo que
andava com aquelas máquinas
antigas que tinham uma caixa
para ele colocar a cabeça e mirar
a vítima, era e ainda é uma instituição municipal. O nosso era o
pai do Humberto Beleza, meu colega de tiro-de-guerra.
E havia charreteiros aos montes, alguns, como o seu Laier, que
conseguiram formar quatro filhos
na faculdade, só com o seu trabalho. Ou o Felipão, esse mais antigo, dos idos dos anos 30, que tinha
uma charrete especial para pegar
as mocinhas e levar até o cassino.
Se vivesse na época, a nossa ex-ministra Zélia Cardoso de Mello
ia largar tudo só para desfilar em
Poços na charrete do Felipão, que
nem fez no Central Park, em Nova York.
Nem falo nada dos jagunços,
povo brabo especializado em cobrar dívida de jogos, porque
quando atingi a idade da compreensão eles já tinham aposentado suas garruchas e se tornado
senhores pacatos. E muitos filhos
deles nem sabem desse passado
romântico dos pais.
E-mail - lnassif@uol.com.br
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