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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Vida e morte na globalização
LUIZ GONZAGA BELLUZZO
A vida anda pela hora da
morte neste mundão globalizado. Eleito no "tapetão" da Suprema Corte depois de perder no
voto popular, Bush filho transformou em obsessão a "ameaça iraquiana". Ela estaria escondida
sob a forma de armas químicas,
atômicas e biológicas nos porões
dos palácios de Saddam Hussein.
De nada valeram os relatórios dos
inspetores de armas que negavam
fundamento para a decisão de
atacar. Muito menos foi eficaz o
bloqueio do Conselho de Segurança às pretensões anglo-americanas de legitimar a guerra.
Esopo, o contador de fábulas,
havia percebido, séculos atrás, ao
narrar a conhecida história do lobo e do cordeiro: quando os poderosos querem sacrificar os mais
débeis, pouco importa a verdade.
Os Estados Unidos e a Inglaterra
estão dispostos a usar seu poderio
militar para tomar conta do Iraque e fim de papo. Até mesmo os
mais crédulos já sabem que a
pancadaria anglo-americana
(chega dessa conversa de aliados)
não vai servir para difundir a democracia nem para disseminar as
virtudes da civilização ocidental.
Por isso mísseis Tomahawk e outros menos votados estão sendo
disparados sobre os infelizes iraquianos que desafiadoramente
insistem em frequentar os mercados de Bagdá para fazer compras.
Os meios de comunicação informam que mais de 70% do povo
americano apóia a decisão do
presidente Bush e de seus assessores de ultradireita. Os debates no
Congresso e o clima entre a maioria da população são incrivelmente "patrióticos", louvando a
coragem dos bravos rapazes e
moças que levam adiante mais
esta guerra.
Esses episódios de ferocidade
quase unânime e de patriotismo
intolerante e autocongratulatório
não são novos nos Estados Unidos. Pertencem a uma sólida tradição de caça às bruxas, como
mostra magistralmente Arthur
Miller, o grande dramaturgo, na
peça "As Feiticeiras de Salem". O
avesso da cultura puritana e salvacionista é muito feio, medonho.
Quem viveu lembra: no início dos
anos 50, o senador McCarthy empreendeu uma campanha de acusação e perseguição a supostos comunistas infiltrados na mídia,
nas universidades e no meio artístico.
A intolerância unânime torna
ainda mais admirável a resistência dos americanos que se opõem
à guerra. Eles estão defendendo
bravamente os valores democráticos e republicanos que, sem dúvida, são constitutivos de sua sociedade. É preciso ter muita força
moral para contraditar os convictos do "destino manifesto", expresso na frase de Condoleezza
Rice aos universitários de Michigan tempos atrás: o que importa é
o poder americano.
A novidade é que hoje os caçadores de bruxas de Washington,
como a senhora Rice, não se envergonham de misturar conselhos
políticos com negócios escusos.
Não se sabe ao certo se o gabinete
de Bush filho é a cúspide do Poder
Executivo ou um escritório de
corretagem. Isso só prova que o
destino da humanidade e do
mundo está nas mãos de dois grupos perigosíssimos: uma minoria
de calculistas que, entre os seus
métodos de sobrevivência política, inclui o assassinato de inocentes e uma minoria de gente estúpida disposta a aplaudir e a legitimar as malfeitorias dos espertalhões.
Foram muitas as reações. A
França, a Rússia e a China, potências nucleares que têm assento
no Conselho de Segurança da
ONU, condenaram com veemência a ação de ingleses e de americanos. Isto significa que a brutalidade de Bush e de Blair não deixará de ter consequências políticas que podem alterar o curso das
relações internacionais. Há uma
evidente saturação das reiteradas
manifestações de prepotência dos
Estados Unidos.
Essas agressões executadas contra os países mais fracos e desferidas em nome da democracia e da
liberdade são, na verdade, exatamente o contrário disso. As decisões têm sido tomadas sempre devido aos interesses nacionais
quando não de grupos políticos
ou mesmo de pessoas, como é o
caso agora do presidente Bush.
Pode até ser assim, mas o reiterado uso da força e das mesquinhas razões nacionais ou particularistas pode dar maus resultados. O ex-presidente Ronald Reagan ficou conhecido, entre outras
coisas, por ter declarado que a finada União Soviética era o "império do mal". No entanto o desaparecimento do demônio não parece ter diminuído o poder do inferno.
Luiz Gonzaga Belluzzo, 60, é professor
titular de Economia da Unicamp. Foi
chefe da Secretaria Especial de Assuntos
Econômicos do Ministério da Fazenda
(governo Sarney) e secretário de Ciência
e Tecnologia do Estado de São Paulo
(governo Quércia).
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