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Independência é vital na reconstrução, diz economista
DA REPORTAGEM LOCAL
A recuperação econômica e social do Iraque só será possível se o
país fizer arranjos institucionais
independentes. Uma intervenção
política norte-americana deverá
minar a possibilidade de criação
de um bloco econômico pan-árabe no Oriente Médio.
As afirmações partem do economista iraquiano Kamil Mahid.
Professor na Universidade de Exter, na Inglaterra, Mahid vive no
exílio há três décadas. O economista, que não quis revelar a idade, prefere não comentar a respeito das convicções políticas que o
levaram a deixar seu país natal.
Mas não poupa críticas ao que
chama de "política de dominação
imperial" dos EUA.
"É um grande cinismo chamar
essa invasão militar de "Liberdade
para o Iraque". Essa intervenção
não trará nenhuma liberdade para o povo iraquiano. É simplesmente uma campanha para dominar e controlar as reservas de
petróleo do Oriente Médio", diz.
A desconfiança do economista
em relação ao poderio imperial
dos EUA também se reflete no seu
ceticismo a respeito dos projetos
de reconstrução do Iraque.
"Essa reconstrução vai ser custeada pelo próprio Iraque. Recentemente [no dia 20 de março", o
governo dos Estados Unidos bloqueou todos as contas não-diplomáticas em nome do governo do
Iraque e de outras instituições oficiais. É com esse dinheiro que eles
pretendem reconstruir o país",
declara o economista.
A seguir, trechos da entrevista
concedida por telefone. (CC)
Folha - Qual tem sido o efeito para a economia iraquiana do embargo imposto pela ONU?
Kamil Mahid - O embargo agravou a situação econômica. A economia já havia se deteriorado bastante em decorrência da guerra
entre o Irã e o Iraque, que gerou
um aumento expressivo da dívida
externa. Sem o embargo, poderíamos ter assistido ao desenvolvimento dos setores petroquímico e
químico iraquianos, que poderiam ter levado a uma retomada
da economia. O setor agrícola,
que havia tido um impulso de
modernização nos anos 80, também foi severamente afetado. O
embargo, de uma tacada só, eliminou a maior parte das fontes de
recurso do Estado e aproximadamente 95% do fluxo de capitais
externos.
Folha - No caso de reconstrução
ao final da guerra, quais seriam os
setores vitais para a restauração da
economia iraquiana?
Mahid - Falar sobre reconstrução enquanto as bombas ainda
estão caindo sobre o Iraque é prematuro. Mas não se pode pensar
em reestruturação da economia
no Iraque sem passar primeiro
pelos elementos básicos, que são a
estabilidade política e a independência. Todos esses anos de guerra minaram os setores estatal, que
era o principal provedor de educação, e de serviços públicos, como transportes e comunicação.
Além disso, será preciso restabelecer a normalidade das relações
com as economias mundiais.
Uma eventual restruturação não
pode ser encarada apenas como
um grupo de empresas que chegam e instalam uma série de projetos. Há que se estabelecer, primeiramente, quais são as prioridades nacionais e quais os arranjos institucionais para promover
isso. Mas os EUA têm interesses
totalmente contrários a isso.
Folha - Como andam os principais
indicadores da economia?
Mahid - Não há números confiáveis sobre a economia iraquiana.
Sabe-se que a taxa de desemprego
é extremamente elevada, assim
como o número de pessoas que
estão na economia informal. Hoje, há também um enorme contingente de mão-de-obra deslocado para o Exército. Quanto ao
PIB, é muito difícil quantificar.
Ele é constituído quase que inteiramente pela indústria do petróleo, que é uma commodity de
muita volatilidade. Há também o
agravante de que 28% das receitas
dessa indústria vão para um fundo da ONU a título de compensação de guerra.
Folha - No caso de uma ocupação
norte-americana no Iraque, quais
seriam as consequências para a integração dos países árabes?
Mahid - Se os Estados Unidos
exercerem forte influência política no Iraque, o mais provável é o
enfraquecimento da possibilidade de integração econômica entre
os países árabes. Atualmente, o
comércio intra-regional é muito
pouco expressivo. Os países deveriam tirar vantagem da proximidade econômica e cultural entre
eles para competirem estrategicamente em bloco.
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