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LUÍS NASSIF
O militante desaparecido
No encontro ocorrido na
semana passada, no Rio de
Janeiro, com as lideranças do movimento estudantil, estavam José
Serra, representando 1963, José
Dirceu, representando 1966, Aldo
Rebelo, representando 1978, e
Lindberg Farias, representando
os anos 90.
Deveriam ter deixado uma cadeira vaga para o militante desaparecido, a juventude dourada
do movimento pós-68 destroçada
pela repressão e pelos sonhos juvenis de reeditar no Brasil a saga
de Che Guevara.
Na coluna passada, falei um
pouco sobre como, do interior,
acompanhávamos o movimento
estudantil pré-1968. Mencionei
José Carlos da Matta Machado,
morto pela repressão -cujo nome confundi com o de seu pai, o
jurista mineiro Edgard da Matta
Machado.
Nos anos 70, no duro período de
resistência à ditadura, a dor do
professor Edgard era um símbolo
tão forte quanto a de Zuzu Angel,
que perdeu o filho nas mesmas
circunstâncias.
Aí me lembrei do segundo tempo do jogo, quando veio o AI-5,
acabou a oposição político-partidária e, embalados pela utopia de
Che Guevara, os jovens estudantes entraram para a luta clandestina e se tornaram o único foco de
resistência à ditadura.
O país era pequeno, a elite, menor ainda. Os jovens que embarcaram na aventura eram os filhos
da classe média intelectualizada
do Rio, de São Paulo, de Belo Horizonte e de Brasília.
Lá em Poços acompanhamos
penalizados essa loucura, por
meio das agruras do Leozinho, filho da tia Hilda, irmã do meu tio
Léo.
Até os 16, 17 anos, Leozinho e
seu irmão Dante freqüentavam
Poços na condição de meninos do
Rio, garotos de praia bonitos,
bronzeados, nos deixando com
uma dor-de-cotovelo danada
com o fascínio que exerciam sobre
as meninas. Eram gentis, desses
de puxar a cadeira para as moças
sentarem, tinham aquele sotaque
discreto do carioca educado que,
principalmente naqueles tempos,
virou mania nacional.
Leozinho era de 1950, mesmo
ano em que nasci. Órfão de pai
militar, foi criado por uma mãe
de personalidade forte, arrasadora, que incutiu nele a idéia de que
os nascidos em 1950 iriam mudar
o mundo.
A influência materna e o messianismo que Che incutiu no movimento estudantil da época fizeram Leozinho entrar para a guerrilha. Antes, ensaiou ações de um
jovem impetuoso, como quando
tentou convencer o nosso grupo a
pichar as ruas de Poços com o slogan "JK 65". Achamos muito "festivo" -para usar um termo da
época-, mas as pichações apareceram na cidade.
À medida que se envolvia com a
guerrilha, Leozinho ia deixando
de passar as férias escolares em
Poços. Apareceu uma vez por lá
com um ferimento de bala na perna e ficou convalescendo na casa
do tio Léo.
Para os parentes cariocas do tio
Léo -e, para nós, também-, as
temporadas em Poços eram inesquecíveis. A cidade acolhia um
público turista muito jovem. E a
casa do tio Léo era o centro de
"brincadeiras" (bailinhos caseiros) e rodadas musicais.
Mas a barra pesou demais para
o lado de Leozinho, que acabou se
exilando em Paris, com nosso primo Cláudio Mesquita -filho de
um irmão do tio Léo com uma
prima do meu pai.
Foi em Paris que o mundo começou a desabar lenta e inexoravelmente para ele. A cada dia que
passava, o sonho da revolução ia
se desfazendo, e a autocrítica, se
impondo sobre o movimento
guerrilheiro. E Leozinho, que tinha o fogo sagrado das mudanças, a missão pesadíssima que recebeu da mãe, de mudar o mundo, perdeu o rumo.
Claudinho voltou do exílio no
início dos 80. Artista plástico sensível, morreu nos anos 90 de ataque cardíaco, depois da última seresta que fizemos em Poços, com
tio Léo ainda vivo.
Leozinho ficou e buscou outras
maneiras de transformar o mundo. Em um certo dia dos anos 80,
foi encontrado morto em seu
apartamento de Paris, depois de
decidir voluntariamente se imolar em favor da paz no mundo.
Sem conseguir oferecer ao país
seu fogo vital, ofereceu ao mundo
sua impotência.
Não foi morte violenta nem
brusca. Morreu de fome, solitariamente no apartamento. E deixou uma carta para a mãe na
qual relatava as saudades que tinha das temporadas ingênuas e
felizes em Poços de Caldas.
E-mail -
Luisnassif@uol.com.br
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