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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Agenda do crescimento sustentado
ALOIZIO MERCADANTE
Há várias formas de ler o
crescimento econômico no
primeiro trimestre de 2004: a otimista, que projeta o ritmo de
1,6% para os próximos trimestres
e chega ao impressionante número de 6,6% para o ano, e a pessimista, que considera a recuperação apenas um efeito estatístico
sobre uma base deprimida.
É importante buscar o equilíbrio nesse debate. Não há motivos
para a euforia, tampouco para o
desânimo. Os números dos últimos três trimestres indicam que a
economia já responde a importante queda dos juros reais realizada a partir do segundo semestre de 2003 e aos bons resultados
do comércio exterior. Crescimento sobre crescimento, em apenas
três trimestres chegamos a um
acumulado de 3,6%, já acima da
previsão de um PIB 3,5% maior
em 2004.
No entanto, recuperação não
implica crescimento sustentado
inexorável. Para isso, são necessárias adequações tanto dos parâmetros da política macroeconômica como das normas institucionais. Na pauta do Congresso, há
importantes projetos que contribuirão para esse esforço de crescimento: incentivos à construção
civil, a votação das Parcerias Público-Privadas (PPPs), da Lei de
Falências, da Lei de Biossegurança, da Reforma Tributária. Há
também as propostas de recuperação da malha rodoviária do
país e eventualmente novos incentivos fiscais focados, a exemplo daqueles descontinuados recentemente para a indústria automobilística e de eletroeletrônicos, que tanto contribuíram para
os bons resultados alcançados no
crescimento.
Também não podemos deixar
de considerar a política monetária e seus efeitos sobre o crescimento. A redução dos juros básicos de 26,5% para 16,5% em 2003
e a concomitante queda dos juros
reais foram fundamentais para a
recuperação do PIB. Já, em 2004,
podemos terminar o semestre
com uma modesta queda de meio
ponto percentual na Selic, que pode pôr em risco o ritmo do crescimento atual. Dessa forma, continuar o debate sobre a política de
metas de inflação é fundamental.
Quando teve de abandonar a
desastrosa aventura da âncora
cambial, a autoridade monetária
encontrou nas metas de inflação
uma nova âncora nominal. No
entanto traçou uma trajetória de
desinflação influenciada pelo
"sucesso" do populismo cambial,
que tornou barato até o caviar
russo, mas a um custo gigantesco
de empregos no país.
Sob essa influência, as metas no
período de 1999 a 2003 foram estabelecidas, sucessivamente, seguindo uma redução do IPCA de
8% no primeiro ano para 3,25%
no último. Um corte em mais da
metade, com o respeitável propósito de mostrar um compromisso
inadiável e necessário com a estabilidade.
A questão é que a adoção do
câmbio flutuante, em um contexto de vulnerabilidade externa, sinalizava turbulências recorrentes
à nossa frente. Um vôo sem solavancos exigiria uma rota mais
longa para a cidadela da estabilidade. No entanto isso não foi feito
e atravessamos diretamente por
um cenário internacional dos
mais sérios -pelos escândalos
das fraudes contábeis nas grandes
corporações americanas, pelo
"default" argentino, pela Guerra
do Iraque e seus efeitos no petróleo-, buscando demolir a inflação rapidamente.
Lições dessa experiência, ainda
recente, com a política monetária
de metas de inflação são necessárias. Buscar uma desinflação rápida, mas improvável, não corrói
a credibilidade da autoridade
monetária? Podem os formadores
de preços tomar as metas como
referência se, por experiência,
percebem que o Banco Central será incapaz de realizá-las? Não está sendo muito elevado o custo
econômico e social para forçar
uma convergência da inflação
para a meta, em circunstâncias
tão adversas?
A nossa proposta de adoção de
uma meta de inflação de longo
prazo de 5,5% não é uma afronta
ao princípio da inconsistência dinâmica. Pelo contrário, é uma
forma de assumir compromissos
que podem e devem ser cumpridos. Mudar a meta, assumindo de
forma pública, transparente e desinteressada seu debate, só pode
ampliar a convicção dos agentes
econômicos de que a autoridade
monetária não está mudando as
regras do jogo, mas apenas tornando seus objetivos mais razoáveis e palpáveis, à luz da reflexão
rigorosa.
A tese de adotar a meta de 2005
para o longo prazo é ponderável,
mas tardia, pois os choques adversos em andamento, previstos
em artigos anteriores, pressionam
o câmbio e o preço de insumos básicos, com efeitos sobre a inflação
brasileira. Dessa forma, está sendo rápida a revisão das projeções
de mercado para a inflação de
2004 e de 2005, que já estão acima
das metas em ambos os anos.
Se o BC for buscar a meta de
4,5%, considerando o demorado
processo de transmissão da política monetária para a demanda
agregada e, no final, para os preços (ou mesmo do câmbio para os
preços), os juros nominais mudarão em breve sua trajetória para
cima, abortando o processo de recuperação da economia.
Não há tempo a perder. O esforço fiscal que o governo vem realizando poderá tornar-se estéril e
até insustentável se a política monetária continuar a sofrer da síndrome do "timing" perdido.
Aloizio Mercadante, 50, é economista e
professor licenciado da PUC e da Unicamp, senador por São Paulo e líder do
governo no Senado Federal.
Internet: www.mercadante.com.br
E-mail -
mercadante@mercadante.com.br
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