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TERRA DE ENDIVIDADOS
Escritórios "caçam" consumidor no vermelho com ofertas, às vezes ilusórias, de renegociação dos débitos
"Indústria da inadimplência" cresce no país
ÉRICA FRAGA
ADRIANA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL
Em busca de ajuda para resolver
pendências financeiras, muitos
brasileiros têm sido lesados. Com
a inadimplência desenfreada dos
últimos anos, vem ocorrendo
uma forte expansão na oferta de
serviços de defesa do consumidor
por associações e escritórios de
advocacia. O problema é que existem casos freqüentes de publicidade enganosa, cobranças indevidas e outras ilegalidades.
"O Código de Defesa do Consumidor é recente e acabou virando
um filão de trabalho para uma gama de advogados. Há muitas entidades sérias e, infelizmente, há
outras que cometem irregularidades", afirma Paulo Valério, procurador de Justiça do Centro de
Apoio de Defesa do Consumidor
do Rio Grande do Sul.
A grande oferta desses serviços
tem resultado em uma avalanche
de ações na Justiça, que incluem
denúncias contra telefônicas,
construtoras e incorporadoras,
planos de saúde e, principalmente, instituições financeiras. Atualmente, entre 80% e 90% dos casos
de direito privado que transitam
pelo STJ (Superior Tribunal de
Justiça) por mês são relacionados
à revisão de contratos bancários.
Isso representa uma média de
4.800 a 5.400 processos por mês.
A jurisprudência favorece os
bancos em várias questões. Mas
muitas ações propostas pelos advogados de associações e escritórios se baseiam, justamente, nas
teses já derrubadas pela Justiça.
A Folha teve acesso a processos
recentes nos quais um dos argumentos que fundamentam a ação
é o parágrafo 3º do artigo 192 da
Constituição Federal, que limitava a cobrança de juros remuneratórios a 12% ao ano, mas que já foi
derrubado por emenda constitucional em maio de 2003. "Há casos de associações que entram
com pedido inócuo na Justiça, baseado em pontos que não têm respaldo legal", afirma Olimpio
Campinho, promotor de Justiça
do consumidor na Bahia.
Publicidade
Por trás disso, há outra questão
ainda mais grave: há advogados e
associações que fazem publicidade enganosa. Prometem, em
anúncios de jornais e panfletos,
descontos específicos em ações de
revisão de contratos bancários.
"A obrigação do advogado é a
de oferecer meios, não de prometer ganhos de causa. Ele não pode
prometer resultado porque não
pode prever decisão da Justiça.
Então, vira publicidade enganosa", afirma Valério.
Essa é uma das principais irregularidades identificadas pelo Ministério Público Estadual do Rio
Grande do Sul, onde tramitam ao
menos sete inquéritos civis contra
escritórios de advocacia que prestam serviços ao consumidor.
Jornais do Estado têm vários
anúncios de escritórios que prometem aos eventuais clientes desde revisões contratuais até anulação de multas de trânsito.
O advogado Nórton Lacerda, de
Porto Alegre, anuncia em jornais
"até 75% de redução nas prestações e saldo devedor".
"Fazemos uma ação com pedido de tutela antecipada, para o
cliente ficar livre do Serasa e do
SPC [Serviço de Proteção ao Crédito]. Todos os bancos têm "abusividade", fazem capitalização
mensal ou até diária", afirma.
Mensalidades
Outro aspecto que tem incomodado os ministérios públicos é a
cobrança, por parte de escritórios
de advocacia, de taxas mensais
durante o período em que um
processo tramita na Justiça.
"A cobrança mensal é algo um
pouco insólito para alguém que
pretende conseguir êxito. Afinal,
enquanto o processo estiver tramitando, o escritório ganha", diz
o promotor Paulo Valério.
Segundo ele, no caso das associações, a cobrança mensal é aceitável porque elas dependem dessa
taxa para manter seu funcionamento. Mas os escritórios de advocacia deveriam se limitar à cobrança de, no máximo, uma taxa
no início do trabalho e um percentual em caso de vitória.
Apesar dos diversos problemas
recentes, representantes dos consumidores ligados a órgãos públicos fazem questão de enfatizar
que há muitas entidades que têm
feito bom trabalho. "Quanto mais
associações de defesa do consumidor existirem, menos a população depende do Estado para se
defender", afirma Campinho.
Ricardo Morishita, diretor do
departamento jurídico de defesa
do consumidor da Secretaria de
Direito Econômico, diz que o objetivo de uma associação desse tipo não deve se reduzir a uma simples prestação de serviço: "A finalidade delas é a luta pelos direitos
do consumidor, a educação, a
orientação. E muitas fazem isso".
Colaborou Léo Gerchmann,
da Agência Folha, em Porto Alegre
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