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MERCADO EM TRANSE
Prêmio Nobel credita turbulência ao fluxo de capitais de curto prazo e descarta "efeito Lula" ou Argentina
Especulação traz crise ao Brasil, diz Stiglitz
France Presse - 11.out.01
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Joseph Stiglitz, ex-nš 2 do Bird e Prêmio Nobel de Economia |
DO "CLARÍN"
A crise financeira por que passa
o Brasil é fruto da instabilidade
causada pela exposição ao capital
especulativo. É o que afirma o
Prêmio Nobel de Economia em
2001, Joseph Stiglitz. Mas há um
fator positivo: o mundo começa a
perceber o problema dos fluxos
de capital de curto prazo -embora ainda não se saiba como solucioná-lo.
"Há que observar a realidade.
Índia e China não abriram seus
mercados de capitais e são os países que, até o momento, demonstraram maior estabilidade e que
melhor atravessaram as crises financeiras mundiais."
Número dois do Banco Mundial em 1997 (ano da crise asiática), Stiglitz tornou-se um dos
mais severos críticos do FMI
(Fundo Monetário Internacional). Diz que sua receita acaba trazendo desemprego, analfabetismo e fome.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista:
Pergunta - O Brasil hoje traz
grande preocupação. Muitos culpam a Argentina pela instabilidade
no país. Outros dizem que o problema é o medo de que Lula seja eleito. Qual é a sua opinião?
Stiglitz - Que isso é outra manifestação da instabilidade gerada
pelos fluxos de capitais de curto
prazo. O Brasil é uma amostra clara das dificuldades a que os países
se vêem expostos diante desses
capitais, que podem causar grande desestabilização. Os países ricos conseguem resistir a isso.
Mas, para os pobres, é mais difícil.
O bom é que enfim se começa a
compreender que se trata de um
problema, ainda que não se saiba
ainda como solucioná-lo ou o que
fazer a respeito. Mas há que observar a realidade. Índia e China
não abriram seus mercados de capitais e são os países que, até o
momento, demonstraram maior
estabilidade e que melhor atravessaram a enorme quantidade de
crises financeiras mundiais.
Pergunta - Os EUA disseram que
não ajudarão o Brasil. Há quem veja por trás dessa indiferença uma
estratégia: caso a crise avance e
derrube o Mercosul, seria mais fácil
aos EUA impor a Alca. Haveria uma
intenção por trás dessa atitude?
Stiglitz - Não, não creio que eles
compreendam bem o que se passa a ponto de lhes propiciar uma
idéia inteligente como essa (risos). Obviamente, há muito existe
preocupação, dada a liderança do
Brasil no Mercosul e a concorrência entre esse bloco e a Alca. Isso é
fato. Mas não creio que os EUA
correriam o risco de desestabilizar a América Latina para atingir
esse objetivo. Se assim fosse, haveria uma contradição para com a
nova política agrícola norte-americana -a qual, dado seu protecionismo, gerou uma união da
América Latina contra a Alca.
Pergunta - Em Wall Street, há
quem fale de uma moratória brasileira no final do ano. Nesse caso,
toda a América Latina estará em
perigo? Pode haver uma crise financeira mundial?
Stiglitz - Não creio. Os mercados
de capitais são hoje muito mais
diversificados do que no passado.
Quando a Argentina caiu, não
houve impacto sobre os mercados mundiais. Foi possível resistir
à crise, porque ela foi prevista, e
ajustes foram realizados. E, ante o
total dos mercados financeiros, a
América Latina representa uma
porcentagem pequena.
A crise na América Latina, em
si, não seria um fator de desestabilização importante, mas, se somarmos outros problemas, como
o escândalo da Enron e o da
WorldCom, haverá crise de confiança nas instituições. O efeito
cumulativo das crises poderia ter
repercussões sérias.
Pergunta - Essas crises podem ser
indicadores de que o capitalismo
mundial entrou em uma nova fase?
Stiglitz - Sim. Evidentemente,
cada década é distinta. Nos anos
70, houve a crise do petróleo. Nos
80, os excessos direitistas de Thatcher e Reagan; nos anos 90, a globalização. E agora estamos começando a nos dar conta de alguns
dos excessos dos anos 90 e teremos de pagar por eles. Com sorte
poderemos adotar uma perspectiva mais equilibrada, que reconheça qual deve ser o papel dos
governos e qual o dos mercados.
Pergunta - No seu livro, o sr. deixa claro que os erros do FMI derivam de decisões políticas. Que setores influenciam e tiram proveito
dessas decisões?
Stiglitz - Há alguns casos em que
se pode falar de critérios equivocados. O que proponho é que os
erros são tendenciosos. O FMI sistematicamente se preocupa mais
com a inflação do que com o desemprego, porque sua lógica funciona assim. O que eu tento fazer
com que compreendam é que o
Fundo se inclina demais à contração, e isso provoca queda da atividade econômica, perda de empregos, deterioração ou interrupção
da educação e um incremento perigoso na desnutrição.
O Fundo diz que a dívida tem de
ser mantida em dia. Os acordos
precisam ser honrados. Mas muitas vezes cumprir um acordo de
crédito implica romper um acordo igualmente importante, o contrato social de um governo com
seu povo: manter o pleno emprego, garantir a segurança social.
Pergunta - Custa crer que o FMI
seja inocente quando recomenda
esses medicamentos que pioram a
saúde do paciente, como no caso
da Argentina, onde há pressão por
austeridade fiscal em meio a uma
profunda recessão. É evidente que
não é uma boa recomendação.
Stiglitz - Exatamente. Praticamente todos os economistas concordariam com isso. Sobretudo
porque o estado das finanças da
Argentina não é tão ruim como o
Fundo optou por descrever. De
fato, em termos de razão entre o
PIB e o déficit, o indicador não era
tão elevado, de acordo com a
maioria dos critérios.
Tradução de Paulo Migliacci
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