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MERCADO EM TRANSE
Joseph Stiglitz contesta eficácia de dinheiro do Fundo
Argentina não precisa do FMI, afirma economista
DO "CLARÍN"
A Argentina não precisa do dinheiro do FMI. Aliás, nenhum
país. Joseph Stiglitz contesta a via
única do Fundo e lembra que países como a Malásia e a Rússia desafiaram o receituário da instituição e conseguiram sair da crise. E
que a China atraiu investimentos
sem privatizar rapidamente.
Stiglitz afirma que o dinheiro do
FMI de nada vale se não for empregado na retomada da produção pelas empresas -o que faz
uma economia se recuperar.
"Caso a Argentina consiga satisfazer o Fundo e obtenha mais dinheiro, a maior parte das verbas
será destinada ao FMI, ao BID
(Banco Interamericano de Desenvolvimento) e ao Bird (Banco
Mundial). Não ajudará em nada a
Argentina."
Leia a seguir a continuação da
entrevista:
Pergunta - O discurso dominante
hoje na Argentina insiste em que
ou o país fecha o acordo com o Fundo Monetário Internacional ou será
expulso do mundo, uma espécie de
descida ao inferno. O senhor concorda? É a única alternativa ou se
trata de uma falsa opção?
Joseph Stiglitz - O argumento de
que não existe senão uma alternativa é basicamente uma falácia.
Vou lhes dar três exemplos que
demonstram a possibilidade de
tomar um rumo independente. A
Malásia, em plena crise, disse ao
FMI que não queria ajuda e que
faria exatamente o contrário do
que eles recomendavam: controles de capital, política fiscal de gastos e manutenção de baixas taxas
de juros. Resultado: recuperaram-se rapidamente e estão hoje
em posição melhor.
Todas as coisas terríveis que o
FMI disse que aconteceriam se
suas recomendações não fossem
seguidas acabaram não se confirmando. Na verdade, ainda que a
história do país em termos de direitos humanos não seja a melhor
do mundo, existe enorme interesse internacional em investir na
Malásia.
O segundo exemplo é aquilo
que a Rússia fez depois de sua
moratória. O Kremlin reconheceu que a maior parte do dinheiro
que o FMI emprestaria à Rússia
seria destinada a pagar instituições financeiras internacionais.
Sabia que essas entidades não
queriam registrar grandes prejuízos em suas contabilidades. O
Fundo deixou bem claro que não
estava disposto a fazer grandes
concessões. A Rússia negociou
bem com o Fundo, obteve o dinheiro e desvalorizou sua moeda,
algo que o FMI lhe havia instruído
a não fazer. E começou a crescer
precisamente porque desvalorizou o rublo.
O terceiro exemplo é o mais
bem-sucedido: a China. Seguiu
um rumo muito diferente. Tem
controles de capital, não privatizou rápido demais. Fez tudo à sua
maneira. E, como se saiu bem, obteve mais investimento internacional que qualquer outro país do
mundo, fora os EUA.
Pergunta - Rússia e China têm dimensões e um poder que a Argentina não tem, o de dizer "não" ao
FMI. E a Argentina talvez tenha feito concessões rápido demais para
dizer, agora, que daqui por diante
não cederá mais.
Stiglitz - A questão fundamental
para a Argentina hoje não é o dinheiro de fora. E não sou o único a
pensar assim. Economistas com
opiniões muito diversas concordam comigo, como Martin Feldstein, que escreveu para o "The
Wall Street Journal" um artigo intitulado "A Argentina não precisa
do FMI".
Caso a Argentina consiga satisfazer o Fundo e obtenha mais dinheiro, a maior parte das verbas
será destinada ao próprio FMI, ao
BID e ao Bird. Não ajudará em nada a Argentina. Porque o dinheiro
oficial estrangeiro não é o que vai
ajudar as empresas argentinas a
começar a aumentar sua produção. E é isso o que falta a elas agora: os setores produtivos têm de
produzir bens e exportá-los.
Pergunta - E como fazer para iniciar a produção sem dinheiro?
Stiglitz - É necessário obter alguma gasolina para fazer o motor
pegar. E boa parte do trabalho pode ser feita por meio de créditos
de exportação. Quando o México
conseguiu reativar sua economia,
não foi o dinheiro do FMI que fez
as coisas mudarem. O que restabeleceu a economia foi o comércio e o dinheiro que apareceram
para financiar exportações, obtidos de empresas dos EUA. O que
faz uma economia se recuperar é
a retomada da produção pelas
empresas.
Pergunta - Voltamos sempre ao
mesmo ponto, o México recebeu dinheiro, mas a Argentina...
Stiglitz - Insisto. A questão não é
simplesmente ter o dinheiro, mas
aplicá-lo no lugar indicado. O dinheiro precisa ir para essas empresas a fim de financiar sua produção. Mas o dinheiro que o FMI
tem não será destinado a essas
empresas. O que convém a elas é
dinheiro do Banco de Desenvolvimento, necessitam que o dinheiro
financie a atividade creditícia, para reativar os bancos, precisam de
dinheiro para créditos comerciais
e de investidores que estimulem o
investimento. Não convém à Argentina o dinheiro que entra e sai
do país.
Pergunta - Se a Merrill Lynch foi a
julgamento pelas más recomendações que fez, ou se um médico pode
ser julgado por imperícia, seria
possível julgar e condenar o FMI
pelos erros que provocam fome?
Stiglitz - Com certeza. Uma de
minhas principais críticas é que o
Fundo como assessor econômico
deveria definir que alternativas
existem, qual é o impacto sobre os
diferentes grupos, quais são os
riscos e as incertezas, e deixar que
o país tome as decisões.
O FMI pretende ditar uma política específica e finge que ela é
única que existe e também que está mais seguro do que realmente
está quanto aos efeitos dessa política. Uma de minhas principais
queixas é essa: trata-se de uma
função pouco apropriada a um
assessor.
Pergunta - No seu livro, o sr. diz
que a ciência econômica pode fazer
muito pelos pobres. Por que acaba
sendo uma ferramenta dos ricos?
Stiglitz - Por isso a democratização é tão importante. Se há debates sobre as diferentes alternativas, quando se as aplica, as pessoas percebem que tal política
acarreta tais consequências e optam por outra idéia. Dessa forma,
as pessoas elegem a melhor política por meio do voto.
Pergunta - Normalmente os economistas falam em código e depois
sentenciam o que é o melhor.
Stiglitz - Por isso tão importante
quanto os economistas apresentarem as alternativas é que a sociedade exija saber quais são, para
escolher as que mais a beneficiem.
Pergunta - E o que fazemos com o
medo do FMI?
Stiglitz - Já disse. Primeiro é preciso reconhecer que o que atrairá
os investidores em geral é o sucesso. E o crescimento. Não se atrai
investidores quando há depressão. E, se o FMI aconselha uma
depressão, isso não serve de nada.
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