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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS
Fim da bolha aproxima EUA do modelo japonês
GILSON SCHWARTZ
ARTICULISTA DA FOLHA
Quando veio a crise japonesa, no início dos anos 90,
ganhou o mundo a crítica ao
modelo japonês de capitalismo.
No final dos anos 90, quando o
resto da Ásia mergulhou na crise, a onda voltou com mais força. A saída, diziam analistas, era
reformar aquelas economias para que se tornassem verdadeiramente capitalistas.
O mesmo viés ganhou a mídia,
universidades e consultorias em
1998. A Rússia quebrou e virou
moda apontar o dedo para o
"capitalismo de máfias".
Nesses episódios aquelas economias eram vistas como sub
ou pseudocapitalistas por falta
de transparência na operação
das instituições financeiras, excesso de regulação sobre os mercados (peso excessivo do Estado) e irracionalidade na gestão
das empresas (por investir demais ou por políticas insustentáveis de administração de recursos humanos).
No fundo, tratava-se de valorizar os padrões ocidentais de
funcionamento racional dos
mercados e de gestão transparente das empresas. A onda chegou ao auge com os modelos de
"governança corporativa",
apreciados principalmente por
universidades e "think tanks"
norte-americanos.
Coroando o processo, economistas voltados à pesquisa da
desregulação e a outros aspectos
institucionais do livre mercado e
da escolha racional ganharam
Prêmios Nobel. A boa governança tornou-se ponto central
na agenda do Fórum Mundial
de Davos e em organismos multilaterais como o Bird.
Listas de classificação de países de acordo com o grau de corrupção de seus mercados e de
qualidade de suas instituições
tornaram-se uma coqueluche.
Ao lado de supostas virtudes
macroeconômicas (como o
equilíbrio fiscal e a inflação muito baixa), a transparência e a racionalidade que se imaginavam
típicas do modelo anglo-saxão
de economia de mercado tornaram-se a referência. O padrão
deveria ser aplicado a empresas
e a países.
Os escândalos recentes nos
EUA, com origem tanto em instituições financeiras quanto em
empresas do lado real da economia, revelam que o capitalismo
que se imaginava autêntico está
muito longe do padrão que seus
líderes vinham projetando sobre o resto do mundo.
A economia recente será reescrita, e a crise asiática, reinterpretada. Será vista menos como
fruto de idiossincrasias da cultura japonesa ou do Estado coreano e mais como erros de condução da política econômica.
O revisionismo, aliás, já começou. Uma lição básica é que o
Estado demorou para agir e foi
tímido quando agiu (o oposto
da crença global recente). Outra
lição é que os indicadores de risco são, eles próprios, um risco
(acreditar neles é arriscado).
Quem tira lições desse tipo
não são historiadores marxistas
nem estruturalistas latino-americanos, mas pesquisadores que
estão no centro da política econômica global, o Fed. Acaba de
ser publicado um estudo pelo
BC dos EUA que faz esse tipo de
releitura da crise japonesa
("Preventing Deflation: Lessons
from Japan's Experience in the 1990s", junho de 2002, www.federalreserve.gov/pubs/ifdp/2002/729/ifdp729.pdf).
A julgar pelas notícias das últimas semanas, ainda há muito
para vir à luz em termos de esquemas de fraude financeira nos
bancos de investimento, de práticas de manipulação contábil
para inflar a remuneração de altos executivos e de exploração
predatória das brechas abertas
pelo Estado enxuto.
Rever o que houve no Japão é
um bom começo. É por onde o
principal banco central do mundo caminha.
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