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LUÍS NASSIF
O nome é Gal
Outro dia, folheando a revista "IstoÉ Gente", deparei-me com uma entrevista da
grande Cássia Eller, provavelmente das últimas que concedeu. Nela, a cantora falava da
vida, do filho e de Gal Costa.
Contava algo sabido, mas, nos
últimos tempos, esquecido: Gal
foi a grande inovadora da canção feminina brasileira nos
anos 70.
Aí voltei para onde? Para o
compartimento maior da memória, o baú da adolescência,
tentando lembrar o que significou Gal Costa na música brasileira, a partir da maneira como
a víamos lá na minha Poços de
Caldas. Foi amor à primeira ouvida, e paixão à primeira olhada, não só da minha parte mas
de toda a turma.
A bossa nova trouxera uma
nova maneira de a mulher cantar, o intimismo mais light que o
samba-canção, um lado joão-gilbertiano que tinha um similar muito interessante na canção francesa. Não sei se foram
nossas cantoras que influenciaram as francesas, ou vice-versa.
Mas, de lá e cá, havia muitas
musas de voz doce, ar intelectualizado e lindas.
No Brasil pontificavam Silvinha Telles, a grande cantora do
período; Astrud Gilberto, que
era uma delícia, mas foi fazer
carreira fora; Vanda Sá, nossa
musa da República WC, de Santa Rita do Sapucaí; Gracinha
Leporace, que seguiu com o marido, Sérgio Mendes, para carreira internacional; e, acima de
tudo, Nara Leão, que, além de
cantora, era uma das grandes
referências culturais do período.
No meio do caminho apareceu Elis Regina. Passou pela fase
brejeira, derramada, acabando
com o pudor levemente sensual
da bossa nova. Depois se tornou
gradativamente mais técnica,
mais jazzística, até que, no final
da vida, ficou dramática, com a
força de uma Edith Piaf. Mas
Elis, por ser única, não conta.
Gal Costa surgiu cantando
bossa nova. Apareceu lá por
1966, no Rio de Janeiro, apaulistanou-se em 1967 por conta da
TV Record. No primeiro ano como profissional já se tornou a
maior cantora da história da
bossa nova. Quando a ouviu pela primeira vez, João Gilberto
não lançou nenhuma previsão,
mas uma constatação imediata:
já era a maior cantora brasileira. Sua gravação de "Coração
Vagabundo", de Caetano, é um
clássico. Só que o movimento estava no fim.
Gal não parou aí. No final dos
anos 60, a maior influência do
pop internacional era Janis Joplin. Até então, o rock brasileiro
conseguia ser mais adolescente
que a bossa nova e menos transgressor que o baião. Depois do
período Cely Campello, teve a
era Vanderléia, Martinha, Silvinha (que, depois, se tornou uma
cantora madura muito interessante, nas mãos do grande guitarrista e vocalista Edgard).
Quando o tropicalismo rompeu com as barreiras musicais e
incorporou a guitarra, Caetano
tornou-se o grande ideólogo,
Gil, o grande companheiro, mas
foi Gal Costa quem se tornou a
voz e a imagem mais poderosa
do movimento. Caetano ainda
era o jovem tímido, desengonçado, que não conseguia transmitir no palco a provocação e a
agressividade que trazia nas
idéias. Quando franzia o cenho
para parecer brabo, ficava até
engraçado.
Era a doce Gal, a cantora intimista, a última e maior intérprete da bossa nova, quem surgiu como uma Janis Joplin cabocla, explodindo a voz em mil pedaços de cristal puro. Sua participação em "É Proibido Proibir"
é um clássico.
Ela faz a transição para a moderna música brasileira, tornando-se imediatamente também a musa dos roqueiros. Na
homenagem que recebeu de
Erasmo e Roberto Carlos, em
"Meu Nome é Gal", o contraponto de voz e guitarra é o momento maior do pop do período.
Os anos 70 e 80 testemunharam o nascimento de muitas
Gal. A cada disco mudava a voz,
a interpretação, saía do rock ao
samba mais embalado, passava
pelo samba exaltação, voltava
para o intimismo. Cássia Eller
foi beber em Gal, como foram
beber todos os cantores e cantoras do pop e da MPB.
Gal chega aos 50 anos como
um dos referenciais máximos da
interpretação feminina na música brasileira. O país lhe deve
muito. Mas ela deve algo ao
país, que não pode sonegar: a fita que gravou com Raphael Rabello, a maior voz com o maior
violão, e que persiste inédita por
conta de inexplicáveis zangas
do coração.
E-mail -
lnassif@uol.com.br
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