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BC vê turbulência atual como passageira, diz diretor
LEONARDO SOUZA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O diretor de Política Econômica
do Banco Central, Ilan Goldfajn,
diz que o BC trabalha com o cenário de que a recente turbulência
no mercado é exagerada e passageira. No entanto admite que há
riscos desse cenário não se confirmar. Se isso ocorrer, diz ele, o dólar permaneceria alto por mais
tempo e, consequentemente, a
pressão sobre a inflação seria
maior. Ou seja, não haveria espaço para corte de juros.
Para Goldfajn, o nível da atividade de econômica deve ter um
recuo em maio e também em junho. "Uma coisa é certa: não haverá excesso de demanda nesse
momento. Pode estar crescendo
pouco, crescendo nada, ou caindo
um pouquinho, mas crescendo
muito, não", disse. Leia, a seguir,
os principais trechos da entrevista
concedida na última quinta-feira.
Folha - A partir de que nível de alta do dólar a indústria repassaria o
aumento de custos para os preços?
Ilan Goldfajn - No fundo ninguém sabe. Nós temos estimativas. O que se sabe é que, quanto
mais depreciada a taxa de câmbio,
e quanto mais tempo ficar depreciada, maior é a probabilidade de
haver o repasse. Não há um número mágico.
Folha - Em média, qual a estimativa usada para avaliar o grau de
repasse do aumento de custos com
a alta do dólar para os preços?
Goldfajn - Não há números mágicos. Essas coisas são muito menos precisas do que se imagina,
ou do que a gente gostaria. O que
nós sabemos, pelo histórico, é que
em geral você tem um repasse de
quase 10%, ao longo de três meses, quando isso [a depreciação] é
percebido como permanente. Ao
longo dos 12 meses, você ganha
mais um pouquinho, de 12% a
15% de repasse.
Folha - Mas é preciso olhar o nível
da atividade econômica.
Goldfajn - O nível da atividade
econômica vai influenciar muito
o "timing", ou seja, quando isso
vai ser repassado ou não. Se você
tem, ao mesmo tempo, uma depreciação, mas também uma queda da atividade, quase que uma é
compensada pela outra. Você tem
uma depreciação, mas o atacado
não consegue repassar para o varejo, porque o varejo não tem capacidade de vender seus produtos, vê que não tem demanda.
Folha - O Copom não cortou os juros neste mês devido às turbulências no mercado, mais precisamente a alta do dólar.
Goldfajn - Não só o dólar. Evidentemente que o dólar é a relação mais próxima com a inflação.
Mas as outras variáveis acabam
influenciando a economia, acabam podendo gerar indiretamente efeitos no câmbio. As coisas
não são tão mecânicas assim: você
bota valores específicos e sai uma
decisão. Nós olhamos as taxas de
juros de longo prazo, o risco Brasil. Olhamos várias taxas para
avaliar a situação da economia.
Folha - O quadro é de um nível de
atividade econômica muito baixo.
Goldfajn - Não está tão baixo. O
piso da atividade econômica se
deu no terceiro trimestre de 2001.
Veio se recuperando, em abril teve um crescimento industrial forte e, em maio, ele deve ter recuado
um pouco. Talvez em junho tenhamos um novo ajuste [menos
crescimento]. Nos próximos meses teremos de ver como passa essa turbulência. Mas uma coisa é
certa: não haverá excesso de demanda nesse momento. Pode estar crescendo pouco, crescendo
nada, ou caindo um pouquinho,
mas crescendo muito, não.
Folha - O presidente do BC, Armínio Fraga, falou em um crescimento neste ano menor do que 2%.
Goldfajn - A projeção conservadora hoje indicaria 2%. Se você
quiser ser mais conservador ainda, falaria em menos.
Folha - A economia está com um
nível baixo de atividade. A indústria ainda tem margem para queimar antes de repassar o aumento
do dólar para os preços. A turbulência do mercado, se não deteriorar muito, não seria então grande
empecilho para o corte de juros?
Goldfajn - O que eu posso dizer é
que o impacto do câmbio sobre a
inflação fica menor na medida em
que você tem um crescimento
mais leve ou mesmo uma parada
nele. Há duas possibilidades, que
vão depender do nível do câmbio,
que mesmo com demanda fraca
pode ter repasse. O nível da atividade inibe o repasse, mas de forma nenhuma o anula. O outro fator é que, se subir, não tem jeito, o
repasse vai ser maior.
Folha - Subir muito, em sua avaliação, seria quanto?
Goldfajn - De novo, não há valor,
não há número mágico. Ou seja,
em algum momento vai se verificar que, mesmo o nível de atividade sendo baixo, alguns produtos
acabam tendo repasse.
Folha - O BC ainda trabalha com a
idéia de que a recente depreciação
do real é temporária?
Goldfajn - A nossa percepção é
que essa turbulência no mercado
é exagerada e, dado que não reflete os fundamentos da economia,
provavelmente será temporária.
Somos obrigados a trabalhar também com cenários alternativos. Se
é verdade que o mercado de câmbio pode ficar pressionado por
mais tempo, isso pode ter alguma
implicação sobre os preços. Não é
nosso cenário básico. Mas obviamente que as turbulências no
mercado recentemente indicam
que pode ser que tenhamos que
adiar o nosso cenário básico. Há
riscos para o cenário que nós
achamos ser possível, que é de essa turbulência ser temporária. Se
o cenário básico não se confirmar,
o repasse é maior.
Folha - As taxas futuras de juros
estão num patamar bem alto, bastante descoladas da Selic. Não são
as taxas futuras que têm maior importância para a economia real,
mais do que a Selic?
Goldfajn - A taxa de seis meses
acaba refletindo muito mais o
custo de captação das empresas,
muito mais o sentimento do consumidor.
Folha - Ou seja, um corte na taxa
básica, em um cenário de juros altos no futuro, não significa que vai
beneficiar o consumidor?
Goldfajn - Não necessariamente,
tem de olhar as taxas longas [no
mercado futuro". (...) Essa é a graça de política monetária, o BC tem
o controle da taxa básica, mas não
sabe o efeito da taxa longa.
Folha - Quando o BC define viés
de baixa, que sinal quer dar para o
mercado?
Goldfajn - Nenhum sinal específico diferente do que nós dissemos na ata [do Copom". Dissemos que o viés de baixa é um viés
que deveríamos usar na medida
em que nosso cenário básico parece mais provável. Quando isso
acontece? Quando as nossas turbulências não parecerem temporárias, nem exageradas. Ou seja,
quando as coisas se acalmarem.
Aí voltamos para o cenário básico, que é quando haveria espaço
para redução dos juros.
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