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Armadilha trava crescimento, diz economista
DA REPORTAGEM LOCAL
A economia brasileira vai crescer em 2004, mas baterá logo no
teto de suas limitações macroeconômicas se não desmontar a armadilha formada por juros altos,
pesada carga tributária e vulnerabilidade externa.
A análise é da economista Lídia
Goldenstein, 49, associada da
consultoria MB e dona da LGoldenstein, para quem o país precisa dedicar ao crescimento o mesmo empenho aplicado no passado ao combate da inflação.
Desmontar a armadilha não é
tarefa para um ano e, na opinião
da economista, o governo Lula já
está atrasado. A seguir, trechos da
entrevista de Goldenstein à Folha.
(CLÁUDIA TREVISAN)
Folha - A sra. afirma que o consumidor brasileiro reage rapidamente ao aumento da renda. Quais são
os números que comprovam isso?
Lídia Goldenstein - Basta olhar o
que aconteceu nos planos Real e
Cruzado. Em ambos os casos
houve uma explosão do consumo
só com o controle da inflação.
Folha - E isso é bom ou é ruim?
Goldenstein - Você pode ver pelos dois lados. Eu sempre parodio
o Milan Kundera, que tem uma
frase belíssima no livro "A Insustentável Leveza do Ser". Ele está
falando de uma mulher e diz: "A
força dela era a fraqueza dela". A
força da economia brasileira é a
sua fraqueza. Como você tem
uma péssima distribuição de renda, uma demanda reprimida cavalar, qualquer renda disponível
vira consumo. Isso faz com que a
retomada seja muito rápida.
É o que nós vimos na época do
Plano Real. Por mais renda que se
coloque na França, as pessoas não
vão comer mais iogurte, não vão
comprar mais televisão. Aqui
não, as pessoas vão comprar tudo.
Quem não comia iogurte passa
a comer iogurte, quem tem televisão de 14 polegadas passa para
uma de 19, quem não comia carne
passa a comer carne. Isso dá um
dinamismo e faz com que a retomada seja muito rápida se você tiver renda. Ao mesmo tempo, se
isso vem sem investimento, você
imediatamente bate no teto.
Folha - A alta de investimento
que ocorreu no terceiro trimestre...
Goldenstein - Basicamente foi
bens de capital, compra de máquinas e equipamentos agrícolas.
Folha - O que isso significa?
Goldenstein - Quer dizer que
não há retomada de investimento
generalizada de jeito nenhum.
Folha - É possível o consumo se
recuperar a curto prazo, depois das
quedas dos últimos meses?
Goldenstein - Se tiver renda, sim.
Como não vai ter renda, não. De
onde vai vir essa renda? O desemprego continua aumentando. De
um lado tem uma melhora da
renda com o controle da inflação.
Folha - E por que não houve aumento do consumo?
Goldenstein - Como a queda da
renda foi muito grande, isso é
pouco para garantir um "espetáculo do crescimento".
Folha - Qual é sua expectativa para os próximos meses?
Goldenstein - O país cresce no
ano que vem, não há dúvida. Mas,
se crescer sem fazer o dever de casa, voltam as questões que levaram às crises dos últimos anos.
Folha - Qual é o dever de casa?
Goldenstein - Criar as condições
para a retomada do investimento.
Tem de ter marco regulatório, política industrial, um BNDES
apoiando a retomada e os investimentos -o desempenho do
BNDES é pífio-, uma política de
atração de investimentos externos, mercado de capitais. Ou seja,
há coisas complexas, que você
não faz de uma hora para outra.
Tem de gerar condições para que
tenha uma retomada de confiança e, com ela, de investimento.
Estamos muito longe de ter sequer um esboço disso tudo. É necessário formatar tudo no ano
que vem, para começar em 2005.
Estamos atrasados, daí meu medo de que tenhamos um crescimento que não se sustente.
Folha - A sra. acredita que o Brasil
tem um piso para a taxa de juro
real, abaixo do qual a economia começa a ter instabilidade e inflação?
Goldenstein - A cultura brasileira de juro elevado é algo que vem
se consolidando de maneira impressionante nos últimos 20 anos.
Acho que em algum momento,
assim como se teve coragem de
fazer o Plano Real, tem de haver
coragem para enfrentar essa
questão. Sem isso, não tem como,
por exemplo, desenvolver um
mercado de capitais. O capital não
vai financiar o investimento produtivo se pode ter uma retorno altíssimo no mercado financeiro.
Eu acho que existe uma ditadura do mercado financeiro no pensamento econômico brasileiro. E
isso tem inviabilizado opções de
caminhos diferentes.
Folha - Enfrentar a questão quer
dizer o quê?
Goldenstein - Não sei. Isso vai ter
de ser pensado.
Folha - É baixar a taxa...
Goldenstein - Não adianta fazer
bravata. É um pacote. Se baixar
amanhã, por decreto, você explode, porque o sustentáculo de todo
o modelo é esse nível de taxa de
juros. Para mudar isso, tem de caminhar harmonicamente em todos os lados.
É necessário, por exemplo, ter
um imenso superávit comercial,
para você conseguir se calçar em
termos de reservas e não ter fuga
de capital, que é um dos riscos da
queda da taxa de juros. Para isso,
tem de ter política industrial, um
BNDES atuante...
Folha - Tem de ter câmbio?
Goldenstein - Tem de ter câmbio, sem dúvida nenhuma, que
não é o atual. Não estou falando
para baixar os juros amanhã.
Folha - Então há precondições para que o problema da taxa de juros
real possa ser enfrentado?
Goldenstein - Assim como houve um pacote articulado para
combater a inflação, vai ter de haver um pacote novo, engenhoso e
articulado para combater esse nível de taxa de juros no país, porque com ele não dá para crescer.
Estamos em uma armadilha
que precisa ser desarmada. Os lados dessa armadilha são juro alto,
carga tributária elevadíssima e
imensa vulnerabilidade externa.
Folha - Dá para desarmar tudo ao
mesmo tempo?
Goldenstein - É uma política articulada que tem de ser repensada. Quem disser que tem uma receita está mentindo. Não se pensou isso neste país nos últimos 20
anos. Pensou-se em combater a
inflação. Nos últimos dez anos depois do Plano Real se pensou em
combater as crises externas. O PT,
que estava o tempo todo na oposição falando contra a política econômica, não pensou em uma alternativa, tanto não pensou que
não tem alternativa para colocar
no lugar. É um esforço novo que
tem de ser feito pelo país.
Folha - Voltando à questão do
consumo, apesar da rápida reação
à renda, o mercado interno é muito
pequeno para o tamanho da população brasileira, não?
Goldenstein - Não é verdade. Alguns dados são impressionantes.
O Brasil é o segundo mercado
mundial de biscoitos, o terceiro
de refrigerantes e o quarto de máquinas de lavar e geladeiras.
Folha - Isso apesar da imensa desigualdade de renda?
Goldenstein - Entre 94 e 2000,
antes de começar a cair muito a
renda, o consumo de frango cresceu 86%. O consumo de refrigerante cresceu 106%, o de iogurte,
82%. Você botou hordas de novos
consumidores, que jamais tinham tomado iogurte na vida, para tomar iogurte. O consumo de
cerveja cresceu 74%. Se pegar os
dados agora, vai ver o contrário.
Um pedaço desse aumento foi devolvido pela queda na renda.
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