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OPINIÃO ECONÔMICA
O Brasil e o desemprego de massa
RUBENS RICUPERO
Em meio a tudo o que de pior
se abateu sobre nós nos últimos tempos, o mas grave foi o
Brasil ter-se deixado arrastar para o círculo do inferno do desemprego de massa. Prisão sinistra da
qual não é fácil escapar, em sua
porta poderia escrever-se o que
Dante afixou na do verdadeiro
Inferno: "Lasciate ogne speranza,
voi ch" intrate".
Não pensem que exagero por algum pessimismo injustificável. A
França e a Alemanha estão quase
completando 30 anos, um terço
de século, dessa situação na qual
tombaram em 1975, após o primeiro choque do petróleo. Em outubro daquele ano, os desempregados franceses superavam a barreira, até então jamais atingida,
de 1 milhão. Desde aquela data,
melhorias passageiras e inconstantes alimentaram a esperança
prematura de que o problema estava em vias de solução. A ocasião mais recente foi antes dos
atentados de 2001, quando o governo Jospin se vangloriava de
haver criado 1,8 milhão de empregos. Cada vez que se anunciou
vitória antes da hora a desilusão
foi mais amarga.
Ricos e inventivos, os franceses
adotaram mais de cem medidas
para combater o desemprego. Reduziram a 35 horas a jornada de
trabalho, diminuíram os encargos e taxas sobre os baixos salários, criaram os "empregos jovens" e milhares de vagas mediante os "contratos de solidariedade", isto é, os postos de trabalho
subsidiados pelo governo (na Suécia, alcança às vezes 80% a parte
do salário coberta pelas subvenções). Chegou quase ao exagero a
tolerância com os contratos de
tempo parcial, a terceirização, a
flexibilização das regras levada
ao extremo. O máximo que se logrou com esse arsenal de políticas
foi, segundo análise recente, "mudar a ordem de espera na fila dos
desempregados, escolhendo como
alvo prioritário ora uma categoria ora outra".
O resultado líquido é que, após
ter deslizado até um mínimo de
8,9%, em 2001, o índice de desemprego voltou a subir de novo, a
9,3%, com tendência a alta. Em
momentos de desalento como o
atual, os franceses sentem-se inclinados a concordar com o que
dizia Mitterrand em 1993: "Em
matéria de luta contra o desemprego, já se tentou tudo".
Não é melhor a situação da Alemanha, onde a taxa ultrapassou
10%. O desemprego de massa é,
aliás, fenômeno característico da
União Européia, cujo índice de
desocupação flutua em torno de
8%. Atualmente, é de 7,7%, média que esconde fortes disparidades -mínima de 2,8%, em Luxemburgo, máxima de 11,3%, na
Espanha. Mesmo os Países Baixos, que pareciam ter descoberto
o modelo para eliminar o desemprego (2,7% em 2002), entraram
em recessão, com previsões de que
a taxa de desemprego atinja 5,5%
neste ano e 8% no próximo.
A média dissimula também outras assimetrias. Na Itália, por
exemplo, a taxa nacional de 9%
mascara uma estrutura dualista,
que esconde o alarmante índice
de 18% no sul, diluído nos 4% do
norte. De igual maneira, as médias estatísticas escamoteiam o
fato de que, na Europa, o desemprego de massa afeta de preferência os jovens -sobretudo as mulheres jovens- e os de mais de 55.
Os homens de 22 a 55 anos e os
qualificados e diplomados sofrem
muito menos.
Nos EUA, as condições do mercado de trabalho não são tão graves, mas o desemprego passou a
barra dos 6%, com aumento de
dois pontos percentuais desde
2001. A breve recessão daquele
ano ocasionou a destruição de 2,5
milhões de empregos no setor privado, o que levou Larry Mishel,
presidente do Employment Policy
Institute, a descrevê-la como "a
maior contração do emprego no
setor privado desde a Grande Depressão". As preocupações americanas concentram-se hoje na característica inesperada da corrente recuperação econômica, que,
até o momento, não tem gerado
novos empregos.
Atribui-se a tendência a dois fatores. De um lado, os ganhos de
produtividade, quer dizer, o aumento de produção per capita por
hora de 4% em 2002, permitiram
à economia expandir-se moderadamente, sem contratar trabalhadores. Do outro, a taxa de crescimento econômico não foi ainda
suficiente para tornar mais equilibradas as expectativas dos principais executivos americanos. Foi
o que mostrou a última pesquisa
do "Business Roundtable": 70%
deles esperam aumentar as vendas nos próximos seis meses, mas
só 16% estimam que terão de fazer contratações novas.
Esbocei esse panorama do desemprego no mundo desenvolvido para tentar alertar os que acaso me lêem para o perigo da indulgência em relação ao que está
ocorrendo entre nós. Não escapará aos leitores que nossa situação
é muito pior. A taxa nacional de
desemprego -13%- é superior
à máxima da Europa, a espanhola. Na Grande São Paulo, chega a
quase 20%, índice espantoso e assustador, só comparável ao argentino. O desemprego de massa
aqui não poupa ninguém, nem os
diplomados nem os homens entre
22 e 55 anos. É ruim de norte a
sul, diferentemente da Itália. No
Brasil, assola mais a região "próspera".
Somos muito menos ricos que os
europeus em dinheiro para minorar o problema e mais lentos em
adotar políticas de emprego. Padecemos, finalmente, de aguda
falta de crescimento e de desindustrialização precoce, que fazem
nossa produção industrial ser
igual à que era dez anos atrás.
Sem emprego, a equação brasileira não fecha. Sem crescimento
acelerado e reindustrialização, o
Brasil não tem conserto.
Rubens Ricupero, 66, é secretário-geral
da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento),
mas expressa seus pontos de vista em
caráter pessoal. Foi ministro da Fazenda
(governo Itamar Franco).
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