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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Abra as asas sobre nós
LUIZ GONZAGA BELLUZZO
Hoje começo por apresentar Doug Henwood, autor
do excelente livro "Wall Street",
uma ácida avaliação do funcionamento dos "mercados" na era
da desregulamentação.
Henwood estudou literatura,
mas iniciou sua vida profissional
numa corretora de Nova York e
transformou-se num especialista
nas intrincadas questões da finança. Os que buscam uma exposição clara e competente das teorias financeiras -de Marx a Stiglitz, passando naturalmente por
Keynes-, não jogarão fora o seu
tempo lendo "Wall Street". Hoje,
Henwood é responsável pela publicação da newsletter "Left Business Observer". O título, um primor de auto-ironia, demonstra
claramente as intenções do editor: além de refinadas análises do
capitalismo contemporâneo,
Henwood ataca impiedosamente
a esquerda humanista e choramingas de Manhattan e adjacências.
Em sua última edição, a "Left
Business Observer" traz uma entrevista com o filósofo Slavoj Zizek. Entre tantas avaliações sobre
o comportamento da opinião pública americana a respeito da
Guerra do Iraque -antes, durante e depois-, a de Zizek parece a mais original e certeira.
As pesquisas de opinião revelaram: apenas 17% dos americanos
disseram que não havia iraquianos nos atentados de 11 de setembro de 2001. Uma alta porcentagem respondeu que o Iraque havia utilizado armas químicas e
biológicas contra as forças da assim chamada coalizão. E por aí
vai.
Zizek diz que a esquerda americana interpreta de forma equivocada esse grotesco estado de desinformação. Não se trata apenas
do resultado óbvio da produção
de falsidades pela mídia, como
pretendem alguns. Há, na verdade, uma recusa ativa em reconhecer que funciona mais ou menos
assim: "Não me venha com conversa mole. Eu pago meus impostos e não me interessam as sujeiras que o governo possa fazer".
Zizek afirma que não está advogando uma visão conservadora
do tipo "as pessoas comuns preferem a ignorância e é preciso uma
elite iluminada para guiá-las".
Está, sim, perplexo com a transformação ideológica em curso na
vida política americana. Para ele,
o sistema ideológico dominante
criou enormes expectativas sobre
o funcionamento da democracia.
Paradoxalmente, as expectativas
democráticas ameaçam a função
da ideologia como forma de controle social.
A formação do desejo de não conhecer opera, assim, como uma
violação necessária das condições
que seriam compatíveis com as
promessas de auto-esclarecimento e emancipação do indivíduo
na sociedade americana. É necessário que essa violação seja suave,
gradual, quase imperceptível.
A estratégia de Bush e da nova
direita fundamentalista, segundo
Zizek, é bloquear as possibilidades libertadoras da sociedade
americana. "Não estou dizendo
que Bush vai usar o pretexto da
ameaça terrorista par instaurar
uma meia ditadura militar. Não!
Isso será feito de forma imperceptível, mediante regras não escritas. Alguém poderia imaginar a
tortura como um tópico legítimo
três ou quatro anos atrás? Minha
maior preocupação é essa revolução suave, essa imperceptível mudança nas normas sociais, nas regras não escritas sobre o que é
aceitável ou não."
O consenso dominante trata de
explicar que, se não for assim, sua
vida pode piorar ainda mais. A
formação desse consenso é, em si
mesma, um método eficaz de bloquear o imaginário social, numa
comprovação dolorosa de que as
criaturas da história humana
-da ação coletiva- adquirem
dinâmicas próprias e passam a
constranger a liberdade de homens e mulheres.
Trata-se da emergência, na esfera jurídico-política, da exceção
permanente, na consolidação da
lei do mais forte, para desgosto
dos que se imaginam descendentes do Iluminismo e de seu programa de garantias da liberdade
e da igualdade.
A boa sociedade deve tornar livres os seus integrantes -não
apenas livres de um ponto de vista negativo, no sentido de não serem coagidos a fazer o que não fariam por espontânea vontade,
mas positivamente livres, no sentido de serem capazes de fazer algo da própria liberdade. Isso significa primordialmente o poder
de influenciar as condições da
própria existência, dar um significado ao bem comum e fazer as
instituições sociais funcionarem
adequadamente.
Luiz Gonzaga Belluzzo, 60, é professor
titular de Economia da Unicamp (Universidade de Campinas). Foi chefe da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos
do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e secretário de Ciência e Tecnologia
do Estado de São Paulo (governo Quércia).
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