|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
[+]CORRIDA
Rodolfo Lucena
Errar é humano
Com graça quase infantil, Jade salta, pula, faz piruetas na
trave e, enfim, pára.
Equilibra o corpo na perna esquerda, gira com elegância a
direita e cai. É um "oh!" na platéia, de pena e susto, mas a
atriz principal parece inatingida. Olha para um lado, para o
outro, levanta-se e volta à trave e aos exercícios.
Para mim, foi uma das mais
marcantes cenas da Olimpíada de Pequim. O erro, o tombo,
a derrota e a capacidade de erguer a cabeça e começar de novo, como se aquele desastre
não fosse o fim do mundo,
apenas contingência do esporte, da vida.
De fato, não era o fim do
mundo, mas, para muitos de
nós, o erro é quase isso. Nas
corridas e nos treinos, então,
não há corredor que não passe
por seus altos e baixos. Três
segundos a menos em uma
volta, um treino mais lento e
nada mais na vida vale a pena.
Em contrapartida, basta um
elogio ou uma prova feita com
galhardia para alterar o humor
do atleta amador.
Parece que quem corre para
se divertir, para se superar, para relaxar acaba forçando sobre si cobranças tão grandes
quanto as vividas por profissionais -ou, até, relativamente mais pesadas, pois os amadores não são treinados para
conviver com elas.
Nós, como eles, precisamos
ser capazes de enfrentar e dar
a volta por cima quando não
chegamos ao objetivo desejado. Foi o que ouvi de Sâmia
Hallage, 40, psicóloga que
acompanhou a seleção feminina de vôlei, ouro em Pequim
depois da derrota em Atenas.
"O ser humano cresce muito
quando tem uma dificuldade,
quando erra, quando cai. Só
que aí ele precisa fazer uso
dessa situação de maneira positiva", diz ela, que alerta: "Às
vezes, a gente enxerga que toda a felicidade do mundo está
em diminuir três segundos naquela volta de 400 metros. E
deixa de ver quantas outras
coisas importantes estão
acontecendo na nossa vida".
O exagero vira até uma
doença, mais comum entre os
praticantes de musculação,
chamada vigorexia. "Esse vício da atividade física é uma
doença da sociedade moderna. A pessoa acaba se isolando
dos relacionamentos, da família; às vezes, compromete o
trabalho em busca de um corpo perfeito e, por mais que ela
faça atividade física, mais ela
precisa fazer, pois nunca está
satisfeita", diz Hallage.
Isso tem a ver com a incapacidade de aceitar o erro, o tombo, a lerdeza. E o corredor, como qualquer pessoa, tem de
aprender a derrotar o erro para poder continuar correndo.
Capaz. E feliz.
RODOLFO LUCENA , 51, é editor de Informática da Folha, ultramaratonista e autor de "Maratonando, Desafios e Descobertas nos Cinco
Continentes" (ed. Record)
rodolfolucena.folha@uol.com.br
www.folha.com.br/rodolfolucena
Texto Anterior: Inspire Respire Transpire: Piscina com história Próximo Texto: Dia-a-dia / Em casa: Para durarem, acessórios devem ser lavados logo após o treino de natação Índice
|