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INSPIRE RESPIRE TRANSPIRE
Jogo sujo
Com aumento de 70% da concentração de poluentes no ar em São Paulo, exercícios ao ar livre podem trazer riscos à saúde; áreas com trânsito pesado devem ser evitadas
JULLIANE SILVEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL
Mesmo com todos os
investimentos,
Pequim, cidade-sede da Olimpíada
que começa amanhã, não conseguiu resolver um problema: a
poluição do ar. O etíope Haile
Gebrselassie, recordista mundial da maratona, por exemplo,
anunciou que não competirá
nessa prova por temer problemas de saúde -ele é asmático.
E especialistas acreditam que o
desempenho dos atletas em algumas modalidades poderá ser
inferior ao esperado.
"Vai sentir mais cansaço nos
Jogos notadamente quem tiver
de fazer provas longas ao ar livre. Mas, pensando em nossos
"atletas urbanos", Pequim é
aqui, na avenida Sumaré, no
[parque] Ibirapuera...", compara Paulo Saldiva, coordenador
do Laboratório de Poluição Atmosférica Experimental da Faculdade de Medicina da USP
(Universidade de São Paulo).
Não que o ar paulistano esteja tão ruim quanto o pequinês,
mas parques e grandes avenidas da cidade concentram gases que afetam a saúde. Por isso, é preciso aprender a conviver com a "sujeira" do ar daqui,
especialmente durante a prática esportiva.
O inverno, com tempo frio e
seco, propicia maior concentração de poluentes, com aumento de até 70% da poluição
aérea, principalmente da quantidade de partículas poluentes
inaláveis. "São partículas de
carbono tão pequenas que chegam ao alvéolo pulmonar e podem causar inflamações, pois
levam consigo uma série de elementos químicos emitidos no
ar", explica Luiz Alberto Amador Pereira, também pesquisador do Laboratório de Poluição
Atmosférica Experimental.
Durante a atividade física,
exige-se mais do pulmão, a capacidade respiratória é expandida e se inspira mais ar -no
mínimo, o dobro da quantidade
inspirada em repouso, dependendo do ritmo do exercício.
"Quanto maior a dose inalada,
maior a toxicidade para o organismo", diz Pereira.
Nesse cenário, corredores,
ciclistas, triatletas e praticantes de outras modalidades com
duração mais longa são os mais
prejudicados. "Mas mesmo um
treino de 30 ou 40 minutos já
traz prejuízo, tudo vai ter relação direta com o grau de poluição no ambiente", alerta o fisiologista do exercício Turíbio
Leite Barros Neto, coordenador do Cemafe (Centro de Medicina da Atividade Física e do
Esporte), da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
Hora e lugar
A primeira dica é se exercitar
longe das grandes vias, onde a
concentração de poluentes é
ainda maior -a distância mínima desses pontos deve ser de
120 metros.
Isso porque os veículos emitem monóxido de carbono, gás
que compete com o oxigênio
por espaço nas hemoglobinas
(responsáveis por transportar
oxigênio pelo sangue). As conseqüências são menor desempenho físico e riscos de problemas respiratórios e cardiovasculares. Por esse mesmo motivo, horários de pico de manhã e
no final do dia também devem
ser evitados nos arredores de
locais com tráfego intenso.
Então, uma boa saída seria
malhar nos parques urbanos,
certo?
Nem tanto. Esses espaços
concentram altos teores de
ozônio, um gás oxidante, nos
horários de alta incidência solar. É que o sol favorece a reação química que forma esse gás,
e um ar mais puro, presente em
áreas arborizadas, prolonga sua
vida atmosférica. "Os ventos o
espalham para até 200 km de
distância. Podemos dizer que
"exportamos" ozônio para Sorocaba", brinca Saldiva. Por isso,
regiões periféricas, especialmente a zona oeste da cidade,
por conta da direção dos ventos, têm altas taxas desse gás.
Quando entra pelas vias respiratórias, o ozônio pode desencadear processos inflamatórios. Como também propicia
o aumento da viscosidade do
sangue, pode desencadear problemas cardiovasculares. "Esse
mecanismo é uma das hipóteses levantadas por pesquisadores para o desenvolvimento de
doenças isquêmicas", explica
Pereira. Como prevenção, evite
correr nos parques entre o final
da manhã e o meio da tarde.
Em resumo, para ser ao ar livre, a prática esportiva deve
ocorrer antes das 7h30 e depois
das 19h, horários que combinam baixa produção de ozônio
e menor emissão de gases.
Ambientes internos
Para especialistas, o risco de
praticar esportes em locais
abertos é o mesmo de estar em
uma academia próxima a grandes avenidas, se não houver vedação total do ambiente ou se
sistema de ar-condicionado
não for adequado, com limpeza
regular do filtro. "Verifique a
cortina do local: se estiver preta, é porque há partículas poluentes entrando por lá", sugere Saldiva, da USP.
Nesse caso, os horários de pico de trânsito também devem
ser evitados nesses locais, especialmente para a prática de
exercícios aeróbicos, que trabalham mais a capacidade cardiorrespiratória.
A melhor alternativa é optar
por uma atividade dentro da
água. "Pela própria atmosfera
que se cria no ambiente da piscina, essa situação de ar seco e
poluído diminui muito", diz
Turíbio Leite Barros.
Como a umidade relativa do
ar é mais alta, as partículas inaláveis de poluição absorvem
água e ficam maiores, impedindo que o esportista as inspire durante a atividade.
Mesmo com tantas ressalvas, é preciso enfatizar que os
benefícios do esporte ainda superam os riscos trazidos pelo
ar sujo. "Fazer exercício tem
muitas vantagens. É como se
uma parte dessas vantagens se
perdesse por causa da poluição", pondera Saldiva.
[!] ATENÇÃO AO AR
Exercícios NA ÁGUA
diminuem os efeitos do ar poluído. ASMÁTICOS e
CARDIOPATAS devem tomar
mais cuidado, pois a atividade aumenta a absorção de
poluentes que podem levar a
problemas respiratórios e
cardiovasculares
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