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[+]CORRIDA
Rodolfo Lucena
Arte em movimento
A corrida é uma arte,
de carteirinha, papel
passado e lugar em
um dos mais importantes museus do mundo. Nos
corredores da londrina Tate
Britain, um atleta dispara a cada 30 segundos, percorrendo,
em velocidade máxima, os 86
metros da galeria Duveens, em
meio a esculturas neoclássicas
e ao refinado ambiente.
O corredor volta a passo, enquanto outro toma o seu lugar,
mantendo o ritmo dessa coreografia corredística intitulada "Trabalho Número 850",
uma instalação criada pelo
premiado artista britânico
Martin Creed, que tem por hábito usar números para nomear suas obras e que se notabilizou por tirar de seu habitat
atividades humanas comezinhas e mostrá-las como arte.
Um de seus trabalhos mais
importantes envolvia luzes
que se apagavam e se acendiam em um certo ritmo; outros são dedicados a movimentos mais diretamente corporais, da escatologia ao sexo.
Agora, é a corrida: "Eu gosto
de ver gente correndo", diz o
artista, cujo trabalho é "simples e cheio de lirismo", na
opinião do diretor da Tate Britain, Stephen Deuchar.
De fato, correr é uma arte
plena de lirismo e poesia. Tem
a intencionalidade que caracteriza a arte: a cada manhã, o
corredor se veste de um jeito
determinado e, ao sair para a
rua, muda o cenário, rompe
com as regras que organizam o
movimento urbano.
Tricota entre árvores, carros, canteiros, calçadas, construindo um caminho novo,
único, que não deixa rastros,
mas provoca reações em quem
observa o movimento.
O corredor ouve gritos de
incentivo, xingamentos, gozações, percebe gestos de apoio e
de desprezo: a urbe não lhe é
indiferente, reage ao criador
que é também peça de exposição -se fosse um quadro, o
corredor seria, ao mesmo tempo, o pintor e a pintura.
De certa forma, é o que
acontece na instalação engendrada por Creed. Ele selecionou atletas profissionais e
amadores para os primeiros
tempos do projeto. Mas cidadãos comuns também podem
participar, tornando-se co-criadores dessa arte em movimento, reafirmando sua condição de artistas no cotidiano.
Obras de arte mais efêmeras
serão construídas neste mês
em Pequim, pontuando a ambição humana de tentar chegar a pontos mais altos e ser
mais rápido e mais forte. De
minha parte, torço para que
elas sirvam de inspiração para
ajudar a trazer ao mundo o artista que cada um tem em si.
RODOLFO LUCENA , 51, é editor de Informática da Folha, ultramaratonista e autor de "Maratonando, Desafios e Descobertas nos Cinco
Continentes" (ed. Record)
rodolfolucena.folha@uol.com.br
www.folha.com.br/rodolfolucena
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