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NEUROCIÊNCIA
Suzana Herculano-Houzel
A mágica do cinema em 3D
Como a crítica dizia
que o filme era bobinho, mas a sessão
em 3D valia a pena,
levei as crianças para ver
"Viagem ao Centro da Terra". Habituadas aos óculos
chinfrins de lentes azuis e
vermelhas que acompanham
alguns DVDs, elas não se animaram com a idéia -uma
oposição felizmente resolvida com sacos gigantes de pipoca no colo. O que se seguiu
foram, para as crianças, 90
minutos de risos, sustos e
gritos de êxtase enquanto
tentavam alcançar pássaros
e outros objetos que saíam
da tela -e, para mim, uma
bela aula prática sobre como
podemos ser enganados,
com resultados sensacionais,
pelo próprio cérebro.
A enganação é possível
porque temos um só córtex
visual no cérebro, habituado
a combinar as imagens diferentes dos dois olhos, cada
uma registrada de um ponto
de vista. Apenas o que está no
foco do olhar produz imagens idênticas sobre as retinas; tudo o que está mais perto, ou mais longe, do ponto
de foco deixa imagens diferentes. Você pode se convencer disso se apontar agora
para um objeto distante, na
parede, e então, ainda com o
dedo esticado e olhando para
o objeto, comparar as imagens que enxerga com cada
um dos olhos. Essa diferença
entre as imagens é a informação que o córtex visual
usa para construir a noção de
profundidade e relevo do que
enxergamos. Assim conseguimos alcançar objetos sobre a mesa (e a comida no
prato) com um único movimento certeiro e até estacionar o carro.
No cinema tradicional, a
profundidade dos objetos
precisa ser inferida pelo seu
tamanho e foco, já que uma
única imagem é captada pela
lente da câmera, depois projetada sobre a tela e dali para
nossos olhos. O cinema 3D,
por outro lado, é feito com
duas câmeras, cujas lentes
são separadas por mais ou
menos a mesma distância
que separa nossos olhos. As
duas imagens são projetadas
simultaneamente sobre a tela, cada uma com luz polarizada em uma direção, e óculos de lentes também polarizadas (bacanas e reutilizáveis, nada de papelão barato)
garantem que cada um dos
olhos enxergue apenas uma
das imagens -como se estivéssemos no set de filmagem, com os dois olhos no lugar da câmera. Essa parte da
mágica fica por conta da indústria cinematográfica; o
resto é inteirinho por conta
do cérebro.
Recomendei o filme aos
amigos com o entusiasmo de
quem acaba de sair de uma
ótima atração da Disneylândia. Fazia muito tempo que
eu não me divertia assim.
Minha alma arrasada pelo
Batman ficou aliviada...
SUZANA HERCULANO-HOUZEL, neurocientista, é professora da UFRJ e autora do livro "Fique de Bem com o Seu Cérebro" (ed. Sextante) e do site "O Cérebro Nosso de Cada Dia" (www.cerebronosso.bio.br)
suzanahh@folhasp.com.br
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