|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
alimentação
mudando o mundo do quintal de casa
Família americana conta em livro
a experiência de viver um ano comendo
só o que cultivava e trocava com os
vizinhos para provar a viabilidade
da agricultura sustentável
FLÁVIA GIANINI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Ela não protestou nua, nem fez greve de fome, nem abraçou árvores, mas conseguiu
uma vitória considerável para qualquer ativista ecológico. Para provar a viabilidade da
agricultura sustentável e a importância de pensar a alimentação politicamente, a
escritora Bárbara Kingsolver e sua família viveram um ano só comendo alimentos
orgânicos que produziam na própria fazenda ou trocavam com pequenos agricultores
vizinhos.
A experiência hercúlea, narrada sem perder o bom humor, é contada no livro "O Mundo
É o que Você Come" (ed. Nova Fronteira), que está sendo lançado nesta semana no
Brasil. Nas livrarias americanas há um ano, o registro da experiência familiar está há 23
semanas na lista de mais vendidos do "New York Times".
Formados em biologia, a autora e seu marido, Steven L. Hopp, sempre foram ligados
ao campo e à natureza. O casal tentava ao maximo levar um estilo de vida natural e
saudável com as duas filhas em Tucson, segunda maior cidade do Estado americano
do Arizona. Eles moravam em um sítio, cultivavam legumes e passavam as férias na
fazenda da família no interior da Virgínia. Mas dois anos de seca na região de clima
árido geraram uma piora progressiva na qualidade de vida.
Assim, os antigos planos para uma vida rural ficaram mais atraentes a partir de 2004.
"Bebíamos a água que as autoridades garantiam ser potável, mas elas
desaconselhavam o uso nos aquários porque matavam os peixes", disse a filha mais
velha do casal, Camille, 21, em entrevista por telefone à Folha. A estudante de biologia
garante que a mudança foi compartilhada por todos. "Havia o plano de produzir
alimentos próprios. Mas o Arizona era um deserto com poucas opções de culturas
familiares viáveis."
A fuga do Arizona ensolarado era uma tentativa de alinhar a vida com a cadeia
alimentar e abandonar o comportamento de "leitores de rótulos desconfiados". Mas a
despedida da antiga vida passou longe do ecologicamente correto. Antes de encarar os
cinco dias de carro até a Virgínia, eles pararam para abastecer o tanque de
combustível e a bolsa com um pouco de "junk food".
Ao chegar à fazenda, o primeiro desafio foi definir o cardápio de acordo com as
estações do ano. No desafio, exceções para óleo, azeite, vinagre e alguns grãos, de
produção e processamento improvável naquela região dos EUA.
O planejamento e a experiência não evitaram os percalços. A perda das hortaliças com
a chegada do frio foi só um dos problemas. "Deu medo de não ter o que comer no dia
seguinte", conta a estudante. Criatividade era a solução. "Durante uma semana, a base
do cardápio foi abóbora. Teve pão, torta, sopa e cozido. Até a sobremesa era de
abóbora", lembra.
Matar os frangos que criaram desde pintinhos também não era fácil. "Conflitos morais
eram inevitáveis no início, mas aprendemos a valorizar o consumo consciente e a
importância desses animais na nossa alimentação durante o inverno", afirma Camille.
A jovem pretende se especializar em nutrição após concluir o curso de biologia. Se
abater os frangos já era difícil, imagine perus de mais de 20 quilos. "Precisávamos
estocar tudo o que fosse possível antes do inverno", diz. A família produzia
artesanalmente salsichas, lingüiças e mussarela.
Receita possível
Todo o trabalho de subsistência era feito em grupo e as dificuldades deixavam as
vitórias maiores. Camille se lembra da festa de aniversário de 50 anos da mãe.
"Alimentamos mais de cem pessoas apenas com alimentos da região. O cardápio
incluía entrada, prato principal e sobremesa", conta.
Ela e o pai participaram do livro. Cada um tem espaço próprio, onde abordam questões
sobre política alimentar e produção orgânica. Camille, que durante o ano na fazenda
entrou na universidade, fala sobre as dificuldades de manter seu estilo de vida
comendo a comida do campus. Também é a responsável pelas receitas criadas,
adaptadas ou testadas pela família no período. Ela garante que é possível alimentar
crianças avessas a legumes com cookies de abobrinha.
Barbara escreve que, se o
atual padrão de consumo gera desgaste ao ambiente, pequenas mudanças têm
grandes resultados. "A comida na prateleira de um mercado americano percorreu uma
distância maior do que a maioria das famílias percorre nas férias. Em média, 2.500 km.
Se cada americano fizesse uma refeição por semana com alimentos locais, 1,1 milhão
de barris de petróleo seriam economizados."
A escritora não economiza críticas ao "american way of life". O discurso político ácido,
porém, tem argumentação sólida, baseada em dados sobre a cadeia de produção de
alimentos. Guardadas as devidas proporções, as críticas servem aos padrões da
maioria das grandes cidades.
Hoje, a fase radical passou. A família vive na fazenda, mas compra boa parte do que
consome, desde que seja produzida de forma sustentável, de preferência orgânica.
Entrar em contato com a terra, consumir alimentos de procedência conhecida, escolher
de acordo com a estação e aproveitar ao máximo os recursos naturais: essa é a receita
da família para não agredir o ambiente.
O Mundo É o que Você Come
Editora: Nova Fronteira
Quanto: R$ 44,90 (480 págs.)
Site da família
www.animalvegetablemiracle.com
NA INTERNET - Leia um capítulo do livro
www.folha.com.br/081692
Texto Anterior: Filé de truta com amêndoas douradas Próximo Texto: Cookies de chocolate com abobrinha Índice
|